dos Reis Condesso, Fernando 15-11-2023 - Direito de acesso à documentação detida por entidades públicas 29-09-2017 - Ambiente e direito da urbanização, edificação, reabilitação urbana, regularização de obras inacabadas e de loteamento ou construções ilegais 14-11-2017 - Considerações sobre a teoria da tipologia das relações jurídicas da administração pública com os cidadãos e seus direitos e deveres. em especial direitos, deveres e poderes na atividade circunscritiva de natureza policial 21-07-2023 - Política, direito, economia e informação em sociedade demosoberana 16-07-2024 - Ciencia jurídica e jurisdição. Complexidade interpretativa. Problemática da linguagem e aplicação do direito
Da reposição da legalidade à reabilitação de edifícios
Fernando dos Reis Condesso*
1. Introdução. O direito do urbanismo como direito económico-social [arriba]
1.1.O tema desta análise é a regularização de loteamentos parcelados e edificações erigidas sem respeito pela legislação em vigor, a situação das construções existentes e a reabilitação do construído, especialmente em edificações para habitação.
Face às atuais normas condicionantes de obtenção desses títulos (além das dos planos autárquicos de natureza física -de natureza vinculativa para particulares e administrações públicas-), desde as referentes a declarações de informação prévia aos licenciamentos, comunicações prévias e autorizações de utilização dos edifícios e que, a final, viabilizam quer a edificação quer a sua regularização, quer reabilitações, alterações, ampliações, reconstruções e em geral melhorias no património já edificado, especialmente quando destinado a habitação (centradas em geral no RJUE e RGEU, desde logo nos artigos 24.º, 25.º, 102.º do RJUE, cujos conteúdos se pressupõem aqui já conhecidos), entrarei a analisar os regimes de regularização (especiais, mas “pouco”, ao continuar a não se aceitar legalmente o princípio regularizador básico “tempus regit ata” dos “momentos construtivos”, independentemente das sanções pela ausência de procedimento tempestivo de controlo autárquico e postergação do mesmo), no artigo 102.º-A e 106.º do RJUE, do tratamento de edificações legais mas necessitadas de alterações, construções sem controlo prévio ou segundo procedimentos e regras de regimes anteriores aos hoje vigentes, segundo o artigo 60.º do RJUE e 51.º do RJRU, do regime especial possibilitador de continuação de obras após a caducidade do título do artigo 88.ºdo RJUE, regime de construções face a títulos revogados ou invalidados, declarados nulos ou anulados e, por fim, saindo do RJUE, dos atuais regimes de reabilitação, quer o normal do RJRU quer o (antes excecional e temporário) agora generalizado e portanto normal do RJOREFA (Decreto-Lei n.º95/2019, de 18.7, entrando em vigor em 19.11 e que veio substituir o anterior Decreto-Lei n.º53/2014, aperfeiçoando e eliminando datas limites de aplicação das suas exceções em matéria de habitação).
1.2. Antes da exposição sobre a legalidade que temos, permita-se-me uma breve alusão ao tema em abordagem de natureza político-urbanística.
Uma teoria territorial do urbanismo tem de ajudar os poderes públicos, a superar a histórica desigualdade social, que as normas gerais repressivas reforçam, agredindo os ideias da democracia social que a Constituição consagra.
As regras construtivas e planificadoras e a introdução do seu controlo exigiam historicamente um modelo administrativamente controlado de edificação, mas, embora necessário, o país esqueceu-se em parte das dificuldades das camadas mais débeis da população e que as políticas de coesão social também passam pela justiça social territorial e urbanística, que não permite de facto querer generalizar, antes, e aplicar, agora, ao passado este inultrapassável evolutivo modelo de regulação pública.
Ao lado do evoluir da correção da qualidade do construído que o planeamento e as regras técnicas e jusmateriais vieram impor-se e bem, com o RJUE, desde o RGEU de 1951, e por vezes até antes, um trajeto inaplicativo dessas normas construtivas de edificação. As frequentes ilegalidades surgiram sobretudo junto das grandes metrópoles e o direito sancionatório contraordenacional urbanístico vai-se avolumando.
Não podemos descansar na condenação de ilegalidades de um passado que se deixou sedimentar, colocando em causa o já construído em situações sociais, económicas e culturais diferentes, desde que não sejam totalmente desaproveitáveis ou que, no caso de habitações, os poderes públicos não facultem meios e apoios para o exercício paulatino de correções e reabilitações para uma habitabilidade mais adequada, legalizando urgentemente esse passado.
Exigem-se regras flexíveis perante os factos passados que não totalmente controlados ou que a situação económica do país e do Estado Social de então não conseguiram evitar ou fazer emendar ao longo do tempo e assim permitiram realisticamente manter.
As normas não podem ser aplicadas assepticamente, quando possam estar em causa direitos como o da habitação e a dignidade da pessoa humana, que exige habitação adequada ou, enquanto tal não for possível para todos, pelo menos um teto albergante.
Da história passada, herdamos um urbanismo que não conseguiu sempre defender, já não digo em termos de estética ou arranjos exteriores, mas de condições mínimas de segurança e salubridade, a dignidade e a saúde das pessoas que não detinham, e continuam a não ter, suficientes recursos. De novo, em ambiente crescentemente ultraliberal, num país de rendimentos exponencialmente desiguais, não ousemos continuar, em Estado e país que não é rico, a exigir um urbanismo revisionista do passado, que continua não consentâneo com a atual realidade humana de todos os concidadãos; de facto, cada vez mais com uns, poucos, mais ricos, e uma maioria, antes e agora, mais carenciada.
A política habitacional também tem efeitos redistributivos. O espaço social não consegue viver divorciado do processo social de cada território, com diferentes de rendimentos e custos de acessibilidade e de proximidade, diferenças no acesso ao crédito, etc.
O poder público não pode esquecer que a organização espacial, quantas vezes sendo legalmente discricionária, não passa de factualmente por vezes ser muito arbitrária, o que implica complexos processos redistributivos ou equilibradores de rendimentos e não só, também processos políticos, económicos e sociais em geral, que têm falhado.
Não é só o dinheiro que provoca guetos. As autoridades e normas cegas perante as realidades sociais, fluindo tantas vezes de modo quase cego às possibilidades das realidades, interferem fortemente com o mercado territorial e o urbanismo e as normas genericamente produzidas com que o social real não consegue conviver e, para sobreviver, quer desconhecer (como os exemplos materiais da proliferação da ilegalidade urbanística e das AUGI), fruto de necessidades aproveitadas, e não impedidas, por detentores de terrenos que agiram impunemente “contralegem”. Portanto, fruto de incapacidade dos poderes políticos e administrativos instalados de criarem outras opções ou pararem tais processos, acelerando opções mais realistas e decididas por lei, para serem igualitárias e não “a la carte”.
Os poderes públicos não podem condenar o que propiciarem por ausência de políticas sociais adequadas e depois mantiveram sem solução ao longo dos tempos, tendo de acabar com dolorosas incertezas crónicas pela impossibilidade legal de alienações ou de alterações legais do edificado que o melhorem para além das putativas cláusulas gerais que perduram em décadas sem nada resolver, quer nas AUGI, quer em muitas outras áreas do país.
As normas têm de ter sentido para o indivíduo e a vida social a que se destinam em cada momento. E quanto mais distantes da história e do caso ou dos casos de que o legislador parte para a sua generalização e impessoalidade (da sua génese ideocrática e do modo de a conceber, em que a história e o contexto contam), elas vão-se enchendo de conteúdos factuais e ideológicos próprios de uma evolução normativa que exige interpretação aplicativa de cariz atualista e teleológica, ou seja, metahistórica, sob pena de se tornar velha em sociedade nova e ter de ser alterada. Por isso, a interpretação é sempre criativa e por vezes, se o legislador adormece e a vida da justiça desperta, será mesmo mutagénica, sempre norma, socializada, em parte lei e em parte metalei, embora válida se sempre sintonizada com o devir exigencial do ambiente social que a necessita, sobretudo se vivificada por quem verdadeiramente aplica e decide direito, que não é o legislador, mas a AP e a Jurisdição.
Se o direito é algo que tem de se ajustar aos valores morais para responder aos problemas sociais concretos historicamente situados, ele só pode desenvolver-se segundo raciocínios práticos, numa postura de realismo regulador e decisor radical (que atente na raiz dos problemas), em visão permanentemente sintonizada com o sentir da Comunidade política em que serve de guia comportamental. Por isso, não se pode querer ancorado nem num jusnaturalismo de qualquer índole (embora tenha de ser construído a partir de valores, princípios gerais de direito e conceções sedimentadas de direitos humanos nas suas dimensões fundamentais consagradas na Constituição), nem pode encontrar-se adequadamente em dogmas legalizados. Partindo embora das leis, encontra-se em justiça a meio caminho entre os formalismos e as prescrições legais estáticas e os necessários pragmatismos racionais dinâmicos, em termos evolutivos situados num espaço-tempo não redutível a esses meros formalismos ou a conceções juspositivistas. E, portanto, rejeitando uma “conceção dada da justiça”, de natureza universal e absolutista, que pudesse ficar esculpida apenas na letra de uma lei, dado que a justiça resulta, em cada caso particular, acima de tudo e sempre de demonstrações assentes em argumentações situadas, que impliquem uma “racionalidade aceitável para um resultado razoável”, na linha de uma permanente procura de convergência com o senso comum, ligado a um certo consenso social. O que exige a adaptabilidade de cada decisão para “o ser em justiça”, sem o que o direito não realiza a sua função primordial de criador de paz social pela pacífica resolução dos conflitos que se apresentem. E, se isto é assim para a efetivação da justiça em geral, muito mais claramente transparece na realização da justiça urbanística de legalizações de operações irregulares, pois o “direito significativo” exige, sob pena de acabar por ser apenas um “direito putativo”, o afastamento em cada momento de soluções extremas por desrazoáveis e desproporcionadas, em vez de convocar o legislador, a Administração e a jurisdição para uma adaptabilidade do presente às limitações oriundas do passado.
Não se trata aqui de defender um direito alternativo ou uma nomogénese de juiz face às propostas do legislador (e renúncia da Administração a ter presente a primazia da Constituição face a normas hierarquicamente dependentes dela), à maneira defendida pelo juiz do Supremo Tribunal dos EUA americano do princípio do século XIX, Holmes.
Trata-se apenas de chamar à atenção para os papéis, cada vez mais complementares, da criação formal e da interpretação real do direito. Ou seja, referir apenas quem é quem, no “dizer” do direito real, a Administração Pública e os Tribunais, senhores das “últimas palavras” no discurso da sua aplicação normal ou contenciosa.
1.3. A realidade da permanente fuga à aplicação das estatuições do século XX, demasiado assentes na solução de demolições ou de imposição de normas supervenientes ao momentos construtivo, legal ou ilegal, e, por isso, bloqueadoras na sua realização pelo fenómeno das dificuldades sociais de as executar, já levara há muito a jurisdição administrativa a declarar que a regularização era a solução normal e a demolição apenas a aplicar se nenhuma outra fosse possível.
Por isso, face à impotência de a Administração Pública para “legalizar” nos prazos previstos, e não se querendo demolir, logo o legislador foi prorrogando prazos do regime das UGI e avançou em 2014 com procedimentos derrogatórios de normas materiais para a regularização excecional e temporária face às situações em geral. Embora, mesmo assim, hoje, ambas de novo com improvável limite estabelecido para 2021, porque o legislador ainda teme ter de encarar a realidade do país e seus problemas urbanísticos vindos do passado, que exige medidas “ope legis” sempre que em causa não esteja, ou possa deixar de estar, a segurança e salubridade habitacional, o que só impedira a regularização se expressamente comprovado pelas autoridades, e não discricionárias “a la carte” a efetivar pelos municípios.
2. O direito do urbanismo face à constituição [arriba]
Em termos de DU atual, o tema da legalização passa por normas dispersas e exige uma abordagem que não se pode limitar a interpretações exegéticas, literalistas, alheias ao quadro referencial legitimador constitucional e básico da atual legislação urbanística normal, especial e excecional, toda ela sempre a interpretar tendo presente a Constituição e a LBPOTU, que as legitimam.
Hoje, impõe-se a tomada em conta de modo interligado de normas e princípios do Regime jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), desde logo nos seus artigos 59.º, 106.º, 102. º e 102.º-A, 88.º e Código do Procedimento Administrativo (face às invalidades de títulos urbanísticos) e artigo 60.º, assim como de disposições inseridas nos regimes jurídicos da reabilitação urbana (RJRU), o regime (anteriormente extraordinário e temporal da reabilitação urbana, RJETRU) e hoje (normalizado mas com condições mais exigentes) o RJRERA (DL n.º 95/2019, 18.7, entrado em vigor 2m 15.11, sem prejuízo da aplicação do RJETRU aos requerimentos apresentados até 15.11.2019) e o da áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), quer pelas suas normas quer pela principiologia afirmada, ajudando à adequada apreensão e compreensão geral do tema da regularização também de loteamentos e edificações individuais. Os princípios contextualizadores do direito do urbanismo apontam para especificidades no campo do direito urbanístico, que adequam complementarmente o princípio da legalidade geral, sem pôr em causa a igualdade jurídica, face a incontornáveis e justas descriminações impostas pelos valores constitucionais.
A demolição é, hoje, a solução apenas para o que não tem solução, independentemente de razões desviantes de direito material ou formal-procedimental ocorridas, sobretudo no direito urbanístico habitacional, face aos princípios da proporcionalidade e confiança e consequente imposição da proteção do existente e do inacabado ou do invalidado, face à atual teleologia global enformante dos diplomas e regras de regularização e reabilitação do construído desde que no mínimo seja não inseguro nem insalubre ou não seja recuperável como tal.
A Constituição habitacional mexe com os termos da regularização. Havendo ocupação habitacional, o artigo 65.º da Constituição, intitulado “Habitação e Urbanismo”, consagra o direito à habitação como um direito económico, social e cultural. Estamos face a um artigo constitucional fundador de um direito fundamental do cidadão, que – embora não obrigue a dar casa gratuita num país que não é rico de meios públicos para o efeito –, pelo menos impede em princípio a sua demolição ou que se obstaculize quaisquer melhoramentos (quer para aumentar a segurança e salubridade quer para não criar insegurança ou insalubridade), quando seja uma obra para habitação ou já ocupada como habitação de uma família, e ainda mais se não têm outra para o efeito.
Portanto, independentemente da densidade, maior ou menor, com que o legislador ordinário o tenha ou venha a concretizar, pelo menos, integra e exige a ponderação regularizadora pelo município, aberta-permitida pelo legislador, para levar – neste caso de habitação, impor mesmo o reconhecimento do “interesse”, referido nos normativos em apreço (veja-se, por exemplo, no RJUE, o artigo 88.º, que obriga o município que pretenda demolir obras inacabadas a ter de invocar expressa e fundamentadamente razões económicas, técnicas, ambientais e urbanísticas que não tornem desproporcional tal objetivo; ou o artigo 60.º a afastar as normas hoje aplicáveis para alterações, reconstruções ou ampliações desde que tal sirva ao melhoramento de condições de segurança e salubridade), assim impondo como normal novas obras e a manutenção e mesmo a conclusão de outras fora de regras do direito atual (situação expressada, por que seria aquela em se o que ainda não está concluído deve ser defendido, muito mais o já concluído, sem necessidade de o expressar e a resultar portanto da incontornável metodologia científica de interpretação jurídica); ou o 102.º-A para regularizar obras ilegais a poder dispensar atuais normas técnicas, se tal já foi impossível ou exigência desrazoável.
Hoje, o macro-princípio do direito urbanístico básico, mesmo colocando em causa a normação de planeamento geral em vigor, claramente previsto no ordenamento jurídico vigente, é o da preservação do edificado, seja legal ou ilegal, mesmo que tenha de haver “dispensa” do cumprimento de “requisitos de legalidade relativos à construção, cuja aplicação se tenha tornado impossível ou que não seja razoável exigir” (artigo 102.º, n.º5), desde que se assegure o mínimo, que é o cumprimento dos “requisitos atinentes à saúde pública e à segurança de pessoas e bens” (artigo 59.º, n.º3, LBPSOTU).
A demolição é, pois, a última solução a apontar (“ultima ratio”), reservada apenas para os casos em que não exista outra solução que possa repor a regularidade com atuações, minimalistas que sejam, ou nem por iniciativa do proprietário, nem, na inércia deste, por iniciativa da Câmara Municipal, sendo o caso, e se os proprietários não tiverem querido diligenciar a sua regularização, no todo ou em parte), se possa ou deva evitá-la. E isto, se esta, por invocado interesse público na sua manutenção, não entender assumir a regularização. Portanto, se o município não entender haver interesses públicos que permita mesmo impor-lhe a “salvação” do edificado ou do já edificado, designadamente face a razões que justifiquem, não a demolição, mas um procedimento expropriativo para-regularizador (artigos 34.º e 35.º, LBGPSOTU, etc.).
Na linha de preocupações para levar a alterações favoráveis à melhoria das habitações, qualidade de vida e adequado ambiente urbano, ínsitas ao direito da reabilitação urbana, o direito urbanístico conta hoje com medidas regularizadoras, que têm vindo a evoluir num sentido positivo, não de regularizações deficientes ou de demolição por princípio de obras ilegais, inacabadas, de título invalidado ou irregulares, mas de regularização com eventual imposição de alterações necessárias para a defesa do mínimo de condições.
Estas, embora por vezes demasiado tímidas e, por isso, ainda sem a devida capacidade para resolver os maiores problemas reais que têm perdurado, exigem uma interpretação que tem de ser efetivada de modo contextualizado face à Constituição e atualizado face à jurisprudência, tendo presente no primeiro caso quer o artigo 65.º da Constituição e as cláusulas do Estado de direito social e seus princípios, designadamente os explicitados pela Tribunal Constitucional, como o princípio da proporcionalidade, da confiança e respeito pelas expetativas legítimas, quer o princípio da demolição como “ultima ratio” solutiva quanto a vias regularizadoras da habitação, apenas com o incontornável limite da preservação ou promoção da segurança e salubridade mínimas, sem o que a habitabilidade é, em termos de normalidade, de todo impossível de realizar.
No domínio do urbanismo, as normas foram sendo produzidas ao longo do tempo, regulando cada vez mais, mas umas vezes não regulando antecipadamente ou não prevendo tudo, outras vezes regulando muito para uma sociedade ideal e sancionatoriamente para o passado, mas sem tomar em conta, por um lado, as culturas edificatórias instaladas e as dificuldades sociais em dotar de habitações largas franjas da população, por outro sem atentar no tempo das coisas feitas e mantidas, distanciado do tempo de as tentar emendar. No funco, abstraindo do estado da sociedade real, sua capacidade de assumir ou regular as indesejáveis situações fora do “normal”, tentando forçar a razoabilidade e a equidade contra os impulsos sociais. Isto levou à flexibilidade praticada pelas autarquias e tribunais, sobre o que fazer e quando não fazer, e mesmo à inação das autoridades face à impossibilidade local de agir contra o estado das coisas e regular face à incapacidade do legislador de criar um regime resolutório possível. E, por isso, as ilegalidades continuam por resolver. Nesta matéria, as decisões têm de ser materialmente factíveis. Ou seja, conformes aos diferentes interesses públicos subjacentes, um dos quais é resolver agora o que antes os poderes públicos não conseguiram, mas na prática devendo levar a ponderações que impliquem soluções razoáveis. Os municípios e tribunais produziram no passado decisões que não se contentaram com visões formalistas do direito, próprias da rigidez da ideologia do positivismo jurídico, que o mundo ocidental foi ultrapassando, e levaram a alterações legislativas. Mas há muito que o poder legislativo devia ter deixado de ir atrás dos “incumprimentos por impossibilidade prática de aplicar as leis”.
Cabe à AP e em última instância ao poder jurisdicional, evitar a aplicação de soluções regulamentares contralegem e também das leis contraconstitucionem, suas regras e seus princípios. Assim mandam os seus artigos 266.º, n.º2, e 204.º, obrigando os atores administrativos e jurisdicionais a subordinarem-se não só à lei, mas à Constituição e aos princípios gerais de direito. O artigo 202.º diz que os juízes administram a justiça em nome do povo, o que significa que se a sua legitimidade decisória resulta do povo, e portante devem, transparentemente, convencer o povo da razoabilidade que as tornem aceitáveis para o povo que representam. De onde, se tem de deduzir que a visão constitucionalizadora da Justiça em Estado de democracia de direito implica decisões de Justiça que, baseando-se na interpretação de regulamentos ou de leis sejam conformes à Constituição e seus princípios em leitura necessária para que sejam traduções de valores aceites pela sociedade, o que exige que não se oponham abertamente a valores socialmente reconhecidos que têm de transparecer mais do que silogismos mecânicos, de um sempre reforçado papel da argumentação e da retórica jurisdicional, escolhendo entre varias possíveis, a interpretação normativa mais razoável face aos princípios constitucionais e valores sociais dominantes.
Vejamos, então, as medidas adequadas de tutela da legalidade e de reposição ou regularização urbanística. Antes disso, três notas.
Uma convencional, para simplificar, uso genericamente o vocábulo “título” para referir a existência de qualquer decisão, expressa ou tácita, ato ou conduta municipal legalmente prevista, seja uma concessão de licença, resultado de comunicação prévia, autorização administrativa, que permitam juridicamente qualquer tipo de construções ou utilizações urbanísticas.
Outra nota significante, para referir que, no tema de regularização em geral, o legislador usa sistematicamente o vocábulo “pode”, que de facto é um poder-dever: poder como atribuição de uma competência e, simultaneamente, um dever funcional para ser exercido obrigatoriamente, contrariamente a um inadequado entendimento muito generalizado que pretende assentar tudo no interesse e iniciativa particular, como se não houvesse um interesse público envolvido, em termos permissores de inércias ao longo do tempo.
Por fim, a gritante: não vou aqui abordar a questão do requisito do “arranjo estético”, que vai aparecendo nos vários normativos de aplicação geral e mesmo de exigências paraminimalistas e, portanto, também em geral muito valorizado pelo legislador, mas arbitrária e absolutamente desprezado pela administração autárquica e pelos tribunais, dando origem ao mau gosto mesmo nas principais cidades do país.
Direi que a reabilitação terá aqui também um papel cultural significativo…
3. Análise dos diferentes regimes pertinentes. reposição da legalidade urbanística [arriba]
3.1. Visão geral da atual normatividade. artigos 102.º E 102.º-A do RJUE
O Artigo 102.º do RJUE impõe várias medidas. Temos (além da suspensão, embargo ou reposição do estado original dos terrenos e cessação da utilização das edificações) a legalização das operações urbanísticas e a determinação da realização de trabalhos de correção ou alteração (sempre que possível) e a demolição total ou parcial de obras, face à realização de operações urbanísticas sem os necessários atos administrativos de controlo prévio ou em desconformidade com estes ou as normas materiais aplicáveis, ou face a títulos urbanísticos revogados, assim como anulados ou declarados nulos (ainda sem efeito os putativos), caducados ou em desconformidade com os que existam.
Não deixarei, desde já, de referir o disposto no n.º3 deste artigo que, independentemente desta lógica relegalizadora, vem logo aqui (com o legislador a claramente fazer sobressair quais são realmente os valores supremos a salvaguardar pelo poder público neste domínio do edificado), estatuir que a câmara municipal pode quer determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou salubridade ou à melhoria do arranjo estético, quer determinar a demolição, total ou parcial, das construções que ameacem ruína, seja física ou técnica, ou ofereçam perigo para a saúde pública e segurança das pessoas.
Para as situações ilegais, há hoje soluções regularizadoras normais constantes dos artigos 102.º-A do RJUE e ainda normas especiais ou excecionais, constantes deste, no artigo 88.º do RJRU, no RJREFA de 2019 e no AUGI; sem prejuízo das normas concretizadoras do princípio do existente, quer no RJUE, quer no domínio da reabilitação.
Antes referirei que, face a medidas de embargo que se possam seguir, nos termos regulados no artigo 105.º ou decretamento da demolição, nos do 106.º, o RJUE, para evitar a demolição, ainda contém previsões solutivas de recurso sem demolição.
Quais são as soluções aplicáveis quando possíveis, tidas como normais?
A regra geral é que, “se for possível assegurar a sua conformidade com as normas em vigor no momento, a câmara municipal tem de notificar os interessados para a legalização num dado prazo (102.º-A).
O momento normal regulador, quer de operações a fazer, quer das ilegalmente efetivadas é o do tempo dos procedimentos urbanísticos, de cujo cumprimento resulta a validade dos títulos legalizadores em geral. Ou seja, é o da vigência das normas “aplicáveis em vigor à data da sua prática” (artigo 67.º). E, portanto, alterações normativas supervenientes, designadamente nos PMOT ou PIMOT, passam a ser aplicáveis.
No entanto, se na altura tiverem sido cumpridas as normas técnicas então aplicáveis à construção, agora devem ser dispensadas as normas supervenientes, se se tornar construtivamente impossível ou economicamente desrazoável impô-las no momento de regularização (n.º5).
De qualquer modo, nas situações de “reposição da legalidade”, admitem-se simplificações e menores exigências e dispensas em termos documentais, exceto se houver alguns elementos que “se afigurem necessários, designadamente, para garantir a segurança e saúde públicas” (n.º3).
Para evitar uma demolição, nos casos em que não haja razões de insegurança ou insalubridade ou inoportunidade económica na manutenção do construído, no caso do notificado, interessado particular não promover as diligências regularizadoras, nos termos dos regulamentos municipais sobre o procedimento a seguir nestas situações, a Câmara Municipal, se constatar que as obras cumpriram os parâmetros urbanísticos, estando atualmente conformes com o planeamento de aplicação direta aos proprietários, e não implicam cálculos de estabilidade, pode ou, se houver interesse público relevante nisso, deve proceder oficiosamente a tal legalização.
No caso de obras não conformadas com o título permissivo, ordenadas obras de correção e decorrido o prazo fixado, se incumpridas as modificações conformadoras com o título válido, a CM, dando mais seis meses para eventual discordância com tal imposição e revelação de eventuais interesses em requerer a relegalização de alterações fora do antes licenciado, com apresentação de requerimento), a CM pode revogar o título.
3.2.O problema da caducidade dos títulos urbanísticos permissivos
Vejamos as situações de caducidade por culpa do detentor do título permissor da construção e as situações de revogação ou invalidação.
O RJUE obriga a vários prazos referentes a loteamentos, urbanizações e edificações, de contagem global e faseada, cujo incumprimento leva à caducidade do título, pelo que as obras que se seguirem serão ilegais a menos que haja uma regularização para a continuação das obras com diligências para a obtenção de novo título (requerimento no prazo de 18 meses, ou sem prazo de renovação se não tiverem ocorrido alteração de direito (artigo 72.º). Neste caso, (apresentação no prazo de 18 meses ou, se depois, inexistência de alterações normativas), servem os elementos instrutórios anteriores.
Nas situações de desconformidade das obras com os títulos e de revogação e invalidação administrativa ou jurisdicional dele, embargada a obras se estiver a realizar-se e sendo viável, para a reposição da legalidade, a efetivação de trabalhos de correção ou alteração, a CM deve fixar um prazo razoável para tal, sem prejuízo de, “para assegurar a proteção de interesses de terceiros ou o correto ordenamento urbano”, ela dever promover “obras de urbanização” ou “outras obras indispensáveis”, naturalmente por conta do detentor do titulo com posse administrativa e execução coerciva sempre que haja incumprimento de quaisquer medidas de tutela da legalidade e posterior liquidação voluntária ou cobrança judicial ou mesmo por arrendamento forçado(artigos 107.º e 108.º-B).
Especificamente sobre o procedimento a seguir face a revogações e invalidação de títulos emitidos, a disciplina é mais complexa, dado que o detentor do título vê o mesmo ficar sem efeito.
Em síntese, as coisas passam-se assim:
As possibilidades em geral de uma revogação de títulos constitutivos de direitos construtivos, fora das situações de execuções desconformes e sem reformulação nos prazos indicados, são limitadas.
A invalidação pelas entidades públicas depende de verificação posterior de ilegalidades verificadas no âmbito administrativo ou objeto de sentenças anulatórias ou declarativas de nulidade nos tribunais.
De qualquer modo, mesmo a declaração de nulidade face a uma ilegalidade, pode esbarrar com limites temporais ou substantivo-procedimentais. Pois a declaração de nulidade caduca ao fim de 10 anos da sua subsistência para o órgão que emitiu esse título e o direito do MP intentar a respetiva ação, tal depende da participação lhe ser efetivada dentro desse prazo. Só não há prazo para situações relacionas com monumentos nacionais e suas zonas de proteção. A partir dos 10 anos, uma vez caducado o poder de eliminar tal ato, tudo se passa para todos os efeitos como se ele fosse válido, pelo que havendo razões para atuar contra obras efetivadas, tal obedece ao regime dos atos válidos, apenas passíveis de revogação, e sujeito a indemnização.
De qualquer modo, quer a revogação quer as invalidações têm consequências específicas no plano consequencial.
As possíveis razões revogatórias ou invalidantes de decisões urbanísticas emitidas pelos municípios, designadamente por ilegalidade cometidas no decurso procedimento e “erro oficioso” de enquadramento factual ou jurídico, exige que, desde já, uma análise sobre o enquadramento jurídico após as decisões administrativas que titulem direitos quando depois as decisões venham a ser revogadas ou anuladas pela AP ou pelos tribunais.
Quando tal acontece, o ato administrativo não subsiste por decisão das autoridades, podendo colocar-se a questão das possíveis alterações ou medidas de legalização.
Acrescentaria que mesmo os atos caducados ou já realizados podem ser revogados se que tal tiver o efeito útil de impedir efeitos retroativos.
Face ao Código do Procedimento Administrativo atual, não há a intocabilidade de títulos constitutivos de direitos (artigo 167, n.º 2, Código do Procedimento Administrativo), que são criadores de direitos subjetivos privados de natureza real a que é aplicável o artigo 62.º da Constituição (com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização).
Em causa, no urbanismo, podem estar “exigências alternativas posteriores à emissão de título válido com fundamento em supervenientes conhecimentos técnicos ou científicos ou mesmo comprovada alteração das circunstâncias de facto”, em face das quais, em qualquer destes casos, se reconheça que a serem conhecidos na altura do ato, este não teria sido praticado.
Esta revogação só pode ocorrer no prazo de 1 ano, embora renovável justificadamente por mais 2, e implica sempre uma indemnização pelo sacrifício na versão de “danos anormais”, face ao regime geral da RCECAP.
Face a uma invalidade, importa referir que (não existindo falseamento do titular na comunicação de elementos justificativos do direito ao título em que terá de assumir um novo processo ao abrigo do direito superveniente e sem direito a qualquer indemnização pelas consequências onerosas da invalidação e ficando sujeito a prazo de anulação de 5 anos), portanto face à boa-fé do seu titular, se tem de legalizar à base das normas em vigor no momento da construção (artigo 163, n.º5 do Código do Procedimento Administrativo).
E nem sempre os atos ilegais praticadas pela Administração Pública devem ser invalidados por ela ou pelos tribunais, e alguns com vícios que os tornam meramente anuláveis, podem (para além considerar-se regularizados por ratificação, reforma ou reconversão) considerar-se sanados considerando-se legais “ope legis” ou, em certos casos especiais, mesmo mantendo-se em vigor produzem “efeitos putativos”, não pelo decurso do tempo como pode ocorrer com atos nulos) mas por interdição legal de tirar as consequências dessa nulidade por razões de economia procedimental.
Ou seja, a sua invalidade não impede os seus efeitos normais, como se tivessem nascido no devido enquadramento legal.
O que significa que em geral se mantêm aplicáveis, não só face ao decurso sanador dos seus vícios após curtos prazos para serem objeto ataque administrativos ou judiciais (no caso de já tiver decorrido o prazo para ação jurisdicional e o particular ter perdido o direito à sua anulação, nada impede essa sua anulação administrativa oficiosa; tal como, sendo feridos de uma nulidade que se prolongou no tempo para além de 10 anos após a sua emissão; assim como, mesmo que meramente anuláveis, de qualquer modo, também nem devem ser invalidados nem paralisados nos seus efeitos, em três situações (artigo 163, n.º5), face à inutilidade da repetição do procedimento no caso concreto, por se constatar que, mesmo sem o vício legal em causa, a decisão administrativa teria o mesmo conteúdo.
E isto, seja por o seu conteúdo só poder ser o mesmo do do ato inválido (por o seu conteúdo ser fruto de poder aplicativo vinculado da norma em que se funda, sem podendo fugir ao disposto em concreto na norma), ou, sendo discricionário resultar que a reapreciação do caso concreto não pode permitir uma outra solução em qualquer caso, estamos face a situações em que claramente se comprova que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo). E ainda se se constatar que o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tiver, na mesma, acabado por aparecer acautelado. Portanto, em geral, quando se constate que, mesmo sem aquela ilegalidade em concreto, o resultado decisório seria o mesmo (artigos 167.º a 169.º do Código do Procedimento Administrativo).
Destaque-se a importância atual neste tema de invalidades de atos urbanísticos praticados pela Administração Pública, com a possível relativização da falta de requisitos não substanciais, criando vícios formais no procedimento, designadamente por falta de pareceres e outros elementos instrutórios. Em muitas situações, eles podem ser irrelevantes, face a uma invocação de que o “fim visado” por essa preterida exigência procedimental ou formal, acabou, na mesma, por ter sido alcançado (embora por outra via).
Aqui, está em causa a valorização prevalecente dos objetivos efetivamente realizados, independentemente do incumprimento das meras formalidades dispostas na norma para o efeito. A sua afirmação resulta muito naturalmente do facto de vigorar na Administração um princípio de economia procedimental. Este impede invalidar um ato do “iter instrutório”, imposto no procedimento como formalidades suas (designadamente pareceres, certos exames ou peritagens no seu contexto de constituição e outras diligências), se, apesar de exigidas em norma e terem sido ilegalmente incumpridas (e, portanto, inexistentes, contra o que impunha uma dada norma procedimental geral ou prevista em diploma setorial, lei ou regulamento), em ordem a se efetivar a devida ponderação, em termos pré-visionados em geral na normação da matéria como sendo meios adequados (ou mesmo tidos como os mais adequados) para melhor garantir o justo resultado aplicativo de direito material, a obter na decisão final (ou mesmo em decisões intercalares, condicionantes dela), que, se vier a ser apurado que tal objetivo foi conseguido apesar disso, não deve legitimar a AP para repetir um procedimento que levaria ao mesmo resultado. Em causa, uma clara preocupação de economia de tempo para o cidadão e sobrecarga de serviço inútil para a Administração, que se pretende eficiente nas suas funções em geral.
Este princípio da prevalência dos fins em relação a(os) meios (por vezes, designado, sincopadamente, como princípio da “materialidade subjacente” para os atingir) tem tradução relevante tanto no domínio regulamentar (desde logo, na elaboração dos planos territoriais, enquanto ideia desconsideradora de interesses, públicos ou privados, não devidamente ponderados, se se vier a constatar a final, que eles seriam irrelevantes para o conteúdo final, levando à formulação e aplicação de um princípio complexo (resultante da conjugação de preocupações de imparcialidade, proteção da boa-fé e por vezes mesmo do respeito de direitos adquiridos), que é o princípio da justa ponderação de todos interesses territorialmente relevantes no procedimento de planeamento físico. Este princípio impõe o seu levantamento oficioso no procedimento planificador, nas fases de pré-audiência e complementando-os a partir da consulta pública de todos os interessados participantes, diretos interessados, que os venham enunciar nesta fase. Devem ser obrigatoriamente tomados em consideração, ao formular-se antes as propostas de soluções a positivar, fundamentando a sua relativização e consequente hierarquização e, devem ser aceites de acordo com as solicitações devidamente fundamentadas (apresentadas até ao fim da consulta pública, com pronúncia dos cidadãos interessados). Isto, a menos que, explicadamente no relatório fundante da parte regulamentar, em termos os corretos, claros e coerentes, se pretenda o contrário, sob pena de invalidade da aprovação dos planos pelos órgãos competentes.
A mesma ideia transparece na produção de atos de decisão concreta e individualizada, como afirmação da prevalência do resultado material ou princípio da materialidade, desde que se comprove que o objetivo motivador da instituição normativa da formalidade, aprece realizado na decisão final. Isto é, o objetivo que estava subjacente à exigência das formalidades não cumpridas. Tendo presente essas razões que levaram à sua imposição como meio para garantir ou pelo menos propiciar ao decisor um melhor esclarecimento possível da questão, no plano jurídico ou factual (recorde-se, por exemplo, que o regime-regra sobre pareceres no direito administrativo, não impõe em geral a sua aplicação, nem sequer a sua leitura, a menos que contenha uma posição assente em normativos) e ainda, propiciar a participação de terceiras entidades para defesa dos seus interesses setorais. Tudo, visando a finalidade geral de se poder obter o resultado pretendido pela norma.
Por exemplo, falta um parecer de entidade estadual a pedir normativamente no início do procedimento e não o foi, mas que seria inútil mesmo que positivo para a pretensão em análise, se afinal se constatar que, de qualquer modo, a decisão que visava acautelar não se produziu, por outras razões materiais ou formais. Com efeito, um parecer solicitado, emitido e mesmo favorável, não exige uma decisão positiva, apenas podendo, se for vinculativo, impedi-la.
Os vícios formais invalidantes, retirando os de forma do ato em sentido estrito, visam impedir certas decisões específicas sem a devida ponderação, em ordem a evitar injustiças ponderativas finais, com maior acuidade em caso de exercícios de poderes discricionários ou de recurso a conceitos vagos usados pelo criador da norma, e mesmo erros na aplicação de normas jurídicas vinculativas. Mas, se a formalidade incumprida, visava evitar uma solução que, por outras razões, já estava descartada à partida ou acabou por estar salvaguardada na decisão, nada justifica repetições de atos que conduzem a uma repetição do mesmo, designadamente de uma decisão igual.
Importa que os municípios e os interessados em geral comecem a invocar, neste campo do urbanismo, devidamente elaborado face à “ratio juris” de certas exigências formais, por vezes excessivamente valoradas, este princípio administrativo da materialidade subjacente, ligado ao princípio da economia processual, que leva a uma revisão prática do tema da processualidade, por vezes muito importante e por vezes temporalmente muito bloqueante das soluções com prejuízos desnecessários para os agentes económicos e a vida dos cidadãos. E isto não apenas nas decisões da AP, e não apenas em irrealizadas formalidades ditas secundárias, mas em geral no âmbito da AP e dos tribunais, o que pode levar à sua valorização substantivadora, embora naturalmente de eficácia relativa face à dependência da escatologia intrínseca realizada.
Ou seja, ele pode ser decisivo para manter decisões municipais irregulares sempre que já não tenha nenhum sentido útil invocar a invalidade, naquelas situações em que os concretos objetivos de proteção de interesses públicos, de facto, apesar do incumprimento de formalidades, mesmo assim esses objetivos se mostram, em cada procedimento concreto, realmente acautelados.
Evidentemente que, (tendendo este princípio a ser “cum grano salis” passível de aplicação geral no procedimento administrativa, mas diferentemente do que ocorre com o regime das anulações, não aparece no temas da declaração de nulidades do RJUE: artigo 163.º, 3b), constatada a invalidade, importa ser tanto mais exigente na fundamentação da manutenção dos efeitos do ato ilegal ou seja na justificação estabilizadora da decisão para o futuro, quanto mais importante o legislador considerar tal formalidade, através da cominação de nulidade, caso em que a comprovação tem que resultar de argumentação expressa transparente e, se mexer com direitos e interesses de terceiros, sujeita a contraditório, do que resulta que o princípio é sobretudo de aplicação nos casos de anulabilidade e só muito excecionalmente de nulidades, em que a preocupação do legislador por resultados menos corretos ou injustos aparece como extremamente relevante. De qualquer modo, no caso de atos permissivos urbanísticos que enfermem de nulidade de qualquer tipo, estes só podem ser questionados pela administração no prazo de 10 anos e pelos tribunais se o MP intentar a ação respetiva dentro desse mesmo prazo.
Nos casos de atos meramente anuláveis resultantes do exercício de poderes discricionários, para evitar a arbitrariedade embora condicionada pelas soluções viáveis, mais ou menos adequadas, mas eventualmente nem sempre as mais equilibradas, embora não impedidas à partida pela norma aplicanda, a AP deve apurar a melhor solução para cumprir, o mais precisamente possível (atendendo a todos os princípios gerais de direito, regras técnicas e economia de meios), o objetivo pretendido pela norma. Pelo que, mesmo podendo haver várias soluções, só pode eleger a que melhor defenda o interesse público, medido nas suas diversas dimensões significantes e ponderações justificantes.
Sendo os atos resultado quer do preenchimento de conceitos vagos, imprecisos, indeterminados, plurissémicos, mas também de diferentes possibilidades, não abertas a qualquer solução, mas de facto não concretizadas com conceitos normativizados que, em abstrato, apontem logo a solução pretendida pelo normador, antes deixem ao aplicador administrativo a devida integração da, “apenas aberta à sua análise”, factualidade concreta em situação, integradora da situação factual tal como configurada na norma (o “tatbestand” da norma), cabe ao decisor da AP, a justa ponderação de todas as possibilidades futuras do seu agir, em ordem a escolher, não arbitrariamente a que ele preferir, mas apenas a que, entre todas idóneas e possíveis, face a informações burocráticas dos serviços e pareceres externos (obrigatórios ou não particulares ou públicos, desde que não vinculativos) para o ajudar a esclarecer e melhor decidir, ele concluir que é a melhor para realizar o interesse público ínsito ao seu poder de decidir atuar face a procedimentos de iniciativa oficial ou de permitir a realização de atuações solicitadas por particulares.
Contrariamente aos prazos normais para a anulação dos atos da AP (que é de seis meses, a contar da “data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade” ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente”, seis meses a contar do momento da cessação do erro, mas sempre em qualquer dos casos dentro do prazo máximo de cinco anos, a contar da sua emissão), em princípio, como tituladores de direitos subjetivos, os títulos urbanísticos podem ser anulados administrativamente no prazo de um ano após a sua emissão (168, n.º2). Se ele estiver a ser jurisdicionalmente ponderado (ação de impugnação jurisdicional), essa anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão em tribunal (n.º3). Mas, salvo norma que preveja prazo diferente (n.º4), o prazo é de cinco anos após essa emissão se o beneficiário estiver na sua origem ao recorrer a artifícios fraudulentos para a sua obtenção.
De qualquer modo, quer a revogação quer a anulação administrativa de atos constitutivos de direitos constitui os particulares seus titulares, que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade e já tenham “auferido, tirado partido ou feito uso da posição de vantagem em que o ato os colocava, no direito de serem indemnizados pelos danos anormais que sofram em consequência” dela, considerando-se como anormais as consequências de uma ato que ultrapassam o custos próprios da vida em sociedade que pela sua gravidade merecem a tutela do direito.
Perante um ato invalidado, o titular pode reivindicar a prática de um novo ato administrativo, ficando a autarquia obrigada a “reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”, e simultaneamente a cumprir os “deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado” ou seja, regularizando-o sem ilegalidades mas segundo o direito do momento construtivo, não só o material e planificante, como o procedimental então aplicável.
3.3. Análise do artigo 106.º sobre demolição
A redação do RGEU de 1951 no seu artigo 165.º permitiu que a jurisprudência considerasse que os municípios podiam mandar (mais “arbitrariamente” do que discricionariamente), demolir construções, mesmo que, nascendo embora sem licença, fossem legalizáveis, com o possível respeito das regras aplicáveis, que supririam os problemas. E tal manteve-se sem que os diplomas posteriores de 1991 e 1995 pudessem alterar tal inconcebível postura de raiz “punitivo-dissuasora” (alheada de uma apenas exigível lógica promotora de correções), independentemente das sanções previstas, que acumulavam com a própria demolição.
Isto até ao aparecimento da redação do n.º2 do artigo 106.º do RJUE inicial, com o seu dever e depois poder-dever em 2001, imposto aos municípios, em que passa a impedir-se a demolição, se a obra puder ser legalizada, mesmo que com alterações ou correções segundo as normas “aplicáveis”. Hoje com o favor da LBPOTU (Lei 136/2014), reforçado por jurisprudência e normas claras afirmando o supremo valor da salvação do construído.
Antes tínhamos já o regime especial para certas zonas metropolitanas com legislação sobre construções clandestina e depois as AUGI , cumulado pelo RJRU quer na disciplina geral da matéria, quer no seu regime sucessivo e excecional, ainda mais permissivo no regime da RETRU de vigência temporal até 2021.
A demolição como solução absolutamente excecional, residual como solução, mesmo em situações de construções ilegais e, portanto, da necessária “regularização” de operações urbanísticas, especialmente quando implicam o direito fundamental à habitação (aparece hoje reafirmada na nova Lei de Bases Gerais da Política de Solos, do Ordenamento do Território e de Urbanismo. E transparece não apenas dos artigos. 102.º, 102.º-A e 106.º do RJUE e regime da RU, como também de procedimentos especiais e de um “procedimento excecional para a regularização de operações urbanísticas ilegais.
A legislação em geral abarca obras em realização ou realizadas sem o devido controlo prévio ou com o mesmo já caducado, quando exigido, e ainda para a “finalização de operações urbanísticas inacabadas ou abandonadas”.
Matéria a ter-se por enquadrada já no artigo 88.º do RJUE e outros, embora aqui, expressamente, se trate de obras inacabadas por caducidade de existentes títulos legalizadores, expressos ou tácitos.
A matéria transparece do artigo 106.º RJUE e no mesmo sentido no artigo 57.º RJRU, que prevê igualmente que se pode ordenar a demolição de edifícios se lhes faltarem “requisitos de segurança e salubridade indispensáveis ao fim a que se destinam e cuja reabilitação seja técnica ou economicamente inviável”. Acrescentando que no caso do património cultural imóvel (classificado ou em vias de classificação), a demolição total ou parcial depende de prévia expressa autorização da administração do património cultural (artigo 49.º da Lei n.107/2001, de 8.9) e ainda que a demolição tem de contar com limitações ligadas ao direito do arrendamento, tudo devendo ter-se por aplicável em geral.
Reportando-me ao RJUE, cabe ao presidente da câmara municipal a competência para ordenar, “quando for caso disso”, a demolição total ou parcial da obra, refere que ela deve ser evitada, se a obra for suscetível de ser legalizada (licenciada ou objeto de comunicação prévia) nos termos normais, especiais ou excecionais ou mesmo que, sendo possível, se possa assegurar a sua conformidade com as normas aplicáveis com a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
No entanto, o direito do urbanismo, independentemente das situações de ilegalidade, em que a mesma deve ser reposta, atribui em geral à câmara municipal o poder discricionário para impor a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou salubridade ou à melhoria do arranjo estético da obra. Naturalmente que deve sempre determinar a demolição, total ou parcial, das construções que ameacem ruína (material, ou seja, física ou técnica), ou ofereçam perigo para a saúde pública e segurança das pessoas, e se tal colocar em perigo iminente, mesmo sem contraditório com o proprietário. E, como referido anteriormente, independentemente de redações normativas de cada momento, face a uma lógica de razoabilidade condizente com o princípio da demolição como “ultima ratio”, a câmara municipal ainda deve considerar o disposto no n.º5, 102.º-A, 60.º, 88.º. etc. Não pode deixar de ter um poder discricionário de dispensar o cumprimento de normas técnicas relativas à construção se a exigência do seu cumprimento já for impossível ou não for razoavelmente de exigir, pelo menos desde que se verifique que tinham sido cumpridas as condições técnicas vigentes à data da realização da operação urbanística em questão (102.º-A, n.º5).
Aliás, a câmara municipal, desde que as obras em causa não impliquem a realização de cálculos de estabilidade, deve poder mesmo suprir a inércia dos interessados, procedendo oficiosamente à legalização.
Se a demolição chegar a ser ordenada, basta repensar, decidir iniciar o devido procedimento de regularização ou interpor ação administrativa de impugnação para tal ordem ficar suspensa (ASTA de 28.10.2009, proc. 0281/09). Tal como deve ficar suspensa se se iniciar procedimento de revisão de um PMOT, panmunicipal ou abrangente da área. E isto, não apenas se houver deliberação municipal em que fique seriamente comprovada a intenção-objetivo autárquico que permita concluir expetavelmente que será um plano “regularizador”. E isto porque a parte fundamental da elaboração ou revisão de um plano ordenamental físico em regime democrático com respeito pelo princípio da participação cidadã, obedece sob sanção de invalidade ao “princípio da justa ponderação de todos os interesses públicos e privados relevantes”, que cabe levantar e levar ao debate não só à AP como aos cidadãos em todo o momento e especialmente aquando da audição pública pré-decisional, o que significa que, iniciado o procedimento, fica então aberto um levantamento de todos esses interesses territoriais e urbanísticos presentes no terreno, direitos consolidados ou mesmo, também para ponderação, “direitos ao exercício de direitos previstos” e só depois as fases da ponderação (que portanto não é opção arbitrária, mas pautada por valores relativos em tensão, a compatibilizar ou a hierarquizar) dos interesses presente que o município e os cidadãos tenham apresentado e ainda a reponderar na pós-fase oficial de pronúncia pública. Portanto, em democracia participativa, com contraditório e “pesagem” de todos os interesses em presença, a intenção inicial desencadeadora de revisões planificadoras, mesmo que não apenas por força de prazos que imponham essas revisões e mesmo nos intervalos destas, embora mobilizada por algo concreto, terão de ficar abertas à sociedade e seus problemas territoriais, em ordem a tudo se ponderar.
Tal como, dependendo de regulamentos municipais a construção em concreto da disciplina aberta pelo RJUE dos procedimentos legalizadores, também deve ter-se como suspensa a intenção demolidora enquanto não produzidos e regularmente tornados eficazes.
A demolição é hoje entendida como a “ultima ratio”, ou seja, a solução pior e por isso só aceitável se nenhuma outra for possível dentro de vários quadros de resolução normativa que vai colocando à análise dos particulares e do município.
Não estamos já face a um poder discricionário do município. E sim a um poder de exercício supletivo e sujeito ao contraditório e prova da impossibilidade de soluções regularizadoras (v.g., Acórdão do TCAS no Proc.01582/06, Secção do Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, de 5-3-2009, Relatora Teresa de Sousa), porquanto “não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam razões de interesse público que os possam justificar.
3.4. Análise do artigo 88.º
O artigo 88.º do RJUE sofreu alterações substanciais significativas, primeiro em 2007 e depois em 2014, no sentido de uma maior permissividade da disciplina da licença especial, quer com a eliminação da invocação de uma específica motivação, quer a abertura à intervenção de um terceiro interessado no licenciamento especial, quer numa nova e concentrada redação invertendo o modo da administração pública enquadrar as razões passíveis de obstaculizar à sua concessão.
O sentido das alterações de 2014 deriva da orientação crescentemente permissiva que vinha apontado pela nova LBPSOTU, demarcando-se claramente da demolição para as obras inacabadas. E, aliás, orientação regularizadora, por igualdade de razão, por si e pela mesma razão do RJRU e até, mais, da nova legislação sobre regularização excecional e temporária do DL n.º 53/2014, de 8 de abril, de outras situações que mexam especialmente com o direito de habitação.
O artigo 88.º, o DL n.º 136/2014, de 9.9, pretende proceder a uma alteração meramente simplificadora, sintetizadora, do regime material e eliminadora de óbvias remissões para disposições procedimentais, que nada alteravam ao sentido substantivo.
O atual artigo 88.º reza que quando as obras já tenham atingido um estado avançado de execução, mas o título urbanístico haja caducado, pode ser requerida a concessão de licença especial para a sua conclusão, se não se mostrar “aconselhável” a demolição da obra, por razões ambientais, urbanísticas, técnicas ou económicas”. Onde antes estas razões eram chamadas a justificar a licença especial, agora esta impõe-se e elas funcionam ao contrário, apenas para poder em último caso impedir a licença, o que muda totalmente a lógica da norma e o enquadramento da demolição.
Face ao objetivo declarado da atual lei dos solos, as interpretações mais permissivas da regularização impõem-se mesmo que se tenha de seguir interpretações extensivas, que se justifiquem no contexto e teleologia global desta matéria, de modo a abarcar situações semelhantes que nada justifica divergência normadora, face ao facto de a demolição ser apenas a solução aceitável para situações residuais sem outra solução “de minimis” possível.
Na situação de um edifício inacabado mas com novas normas de planeamento municipal que o tornaria desconforme ao ser acabado, a licença especial a conceder, se o titular não pretender alterações, caso sejam mais favoráveis aos seus objetivos de momento, pode reivindicar a construção de acordo com as novas normas (licença especial com alterações), mas não tem de se adaptar à normação superveniente ao título original, devendo a CM limitar-se a permitir tal futura desconformidade, concluindo-se a construção nos termos originalmente previstos.
A licença especial para a conclusão das obras só cede perante razões que exijam a demolição, por razões ambientais, urbanísticas, técnicas ou económicas. Ora, só existem tais razões especiais quando devidamente fundamentadas, de modo a poder justificar a sua demolição, não sendo permitido recorrer ao exercício de tal poder de modo arbitrário, pois a discricionariedade própria da função urbanística impõe a escolha da melhor solução, ao preencher estas razões com amplas situações concretas que justifiquem quer o recurso a elas se puderem caber nos conceitos indeterminados quer prominência decisiva na ponderação racional, face ao desfavor da demolição e ao poder-dever de regularizar.
Mas, importa aplicar os seus princípios e soluções, também, por maioria de razão, de obras prosseguidas ou mesmo já acabadas depois da declaração de caducidade, desde que respeitando o título original ou com alterações desnecessitadas de controlo público prévio, pois se se regulariza, em termos de licença, obras inacabadas, por razões de desproporcionalidade e economia processual, maior razão há para obras acabadas parcialmente com título caducado, mas respeitando o que era a licença original ou seria a licença especial, que esta, a ocorrer, nada mudaria em termos de solução legalmente permitida.
3.5. Análise do artigo 60.º do RJUE e 51.º do RJRU
O princípio da garantia das edificações existentes, tem a sua tradução concreta nos artigos 60.º do RJUE e 51.º do RJRU.
Nos termos do DU trata-se apenas do existente de génese procedimentalmente legal e não, como tal (enquanto a abertura para tal no artigo 59.º da LBPOTU não for acionada legalmente), do existente de génese procedimentalmente ilegal, mesmo que substantivamente erigido no respeito das regras materiais da altura da construção.
Nos termos do RJUE, as edificações com ou sem licenciamento mas que tenham sido “construídas ao abrigo do direito anterior” e suas utilizações não podem ser afetadas por normas supervenientes e terão um regime especial para a eventual necessidade de efetivação de obras, quer de alteração ou correção, quer de reconstrução e mesmo de ampliação.
Com efeito, tais obras não podem ser recusadas com fundamento em quaisquer normas supervenientes à data da sua construção originária, a menos que tais obras que não tragam uma “melhoria das condições de segurança e de salubridade” da do já edificado, venham originar ou agravar alguma desconformidade significativa com as normas em vigor na data destas modificações (o que é de verificar em “fiscalização sucessiva no caso de obras sujeitas a comunicação prévia). No entanto, em caso de edifício não habitacionais, depende de legislação especial poder impor-se “condições específicas para o exercício de certas atividades em edificações já afetas a tais atividades ao abrigo do direito anterior”, tal como “condicionar a execução deste tipo de obras a exigências sobre a execução de “trabalhos acessórios”, necessários para a “melhoria das condições de segurança e salubridade da edificação”.
No RJRU, o seu artigo 51.º simetriza a solução, explicitando-a numa redação mais clara e completa, que deve ter-se como regendo o princípio do existente em todo o DU. A permissão das obras de reconstrução ou alteração de edifício impõe-se sem necessidade de aplicação de normas supervenientes à construção originária, a menos que crie ou agrave a desconformidade com as normas atuais; ou, se tiver, não implique se comprovar que vem melhorar “as condições de segurança e de salubridade da edificação” e, de qualquer maneira, devendo sempre observar “as opções de construção adequadas à segurança estrutural e sísmica do edifício”.
No que concerne a obras de reconstrução total, ou seja, de obras de “substituição de edifícios previamente existentes” e de ampliação, elas “podem ser dispensadas de novas normas substantivas posteriores ao momento da sua génese se a sua realização, por um lado, levar a uma “melhoria das condições de desempenho e segurança funcional, estrutural e construtiva da edificação”, “observando-se as “opções de construção adequadas à segurança estrutural e sísmica do edifício, e, por outro, o “sacrifício decorrente do cumprimento das normas” materiais vigentes for “desproporcionado em face da desconformidade criada ou agravada” pela sua aplicação.
De qualquer modo, o artigo 52.º, permite indeferir ou rejeitar os pedidos sobre tais obras se estas operações puderem vir a “causar um prejuízo manifesto à reabilitação do edifício” ou, no caso de “operação de reabilitação urbana sistemática”, à reabilitação urbana da área em causa.
Portanto, quanto ao conteúdo do princípio que lhe está subjacente (da inaplicabilidade do direito atualmente vigente às construções pré-existentes), vigora o princípio “tempus regit acta” no sentido real, ou seja, o tempo das construções antes efetivadas.
Limito-me às seguintes análises sobre obtenção de títulos atuais para alterações, reconstruções e também, pese o silêncio do legislador do RJUE, ampliações.
Estão em causa, não apenas a construções segundo o direito anterior, existisse ou não regras de conformação à data dos pretendidos melhoramentos (antes do RGEU de 1951 (e eventuais regulamentos municipais de extensão deste) ou normas de 1991 para as áreas não incluídas no RGEU, grosso modo, as rurais).
Mas também às construções efetivadas sem título obrigatório, mas, entretanto, regularizadas segundo regras especiais ou excecionais atuais, face a normas posteriores alterativas de regime que as quisesse condenar enquanto tais ou condenar à intocabilidade futuras pretensões alterativas ou reconstrutivas do proprietário.
Só as nunca legalizadas, é que terão de seguir as regras do artigo 102.º-A e outros do regime da Reabilitação Urbana geral ou excecional (atualmente, temporalizada até 2021).
Quanto aos meios de prova da data da construção, não podem, sob pena de inutilidade significativa deste normativo especial) nenhuns meios admitidos em geral no direito de provas do ordenamento jurídico, sejam elementos resultantes de conhecimentos oficiais [(artigos 115.º a 120.º do Código do Procedimento Administrativo, designadamente o n.º2 do artigo 108.º, sobre deficiência do requerimento inicial, que impõe que os órgãos e agentes administrativos procurem “suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos, de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos”) e sem esquecer as exigências procedimentais do princípio do inquisitório, orientado para a obtenção de uma “decisão legal e justa” (artigo 58.º), prestando “as informações e os esclarecimentos de que careçam”, apoiando e estimulando as “suas iniciativas” e recebendo as “suas sugestões e informações” (artigo 11.º), em geral obrigando as autoridades públicas a colaborar na descoberta da verdade, procurando e investigando as possíveis provas], sejam elementos documentais, periciais (designadamente, com análises de materiais), declarações de juntas de freguesia (que possam merecer crédito, enquanto autoridades públicas de proximidade) e, também, testemunhas (desde que não infirmadas por elementos documentais ou técnicos), ou seja quaisquer elementos esclarecedores legalmente admitidos, pois a ideia é facilitar melhorias edificatórias e especialmente com fins habitacionais para não manter “status quo” edificatórios sem condições funcionais.
A desafetação permitida ao direito atual cria, inexistindo comprovadas razões fundamentadamente excludentes, um direito à sua não aplicação, pelo que os PMOT ou PIMOT não podem livremente pô-lo em causa e levar ao seu incumprimento, designadamente à demolição, pelo que uma eventual aplicação do regime permissivo para o planeamento, previsto nos artigos 171.º e 102.º, n.º1, do RJIGT, é de considerar sacrificador de situações anteriores, direitos estabelecidos, e também aqui inaceitável, ou (como interpretou o Tribunal Constitucional), apenas admissível constitucionalmente numa lógica de proporcionalidade ao fim visado e sempre exigente de indemnização por tal sacrifício de natureza expropriatória de um direito. Não existe qualquer poder ao não respeito de um direito ligado ao “princípio do existente” fora dos condicionamentos relacionados com edifícios de fins não habitacionais (n.º4 do art.º60.º).
Esta flexibilização aplica-se também a novas normas sobre ampliação do edificado, especialmente se coexistem claras razões ligadas a uma “clausula vital”, ligadas a segurança física e salubridade, como transparece em geral do DU (final do n.º2), quer em termos de regras de regulação do RU e RETRU, com extensão à ampliação também no RJUE, no termos dispostos expressamente no RJRU (4, al.h e 51).
Quanto à questão da utilização dos edifícios antigos (sem prejuízo de um interesse de alteração de uso), a reconhecer atualmente, mas que não exigiu título de utilização até à vigência dos diplomas de licenciamento (artigo 5, n.º2 do DL n.º160/2006) e, com edifício agora em reconstrução, basta provar que esse uso era o mesmo que se pretende manter, ou, se não se prova nem é constatável fisicamente, importa presumir o uso mais generalizado e mais favorecido, que é a habitação. E, mesmo se se quer alterar o uso anterior para habitação, deve admitir-se, dado o “favor iuris”, de que esta utilização habitacional goza; e apenas se deve exigir uma prévia autorização, se a mudança for para fins não habitacionais (artigo 4.º do DL n.º160/2006).
Quanto à não aplicação deste regime legal posterior para a reconstrução em caso de demolição total já ocorrida, por vontade particular ou por força da erosão natural no tempo, e portanto, prévia ao procedimento de controlo municipal, entendemos que o regime não sofre qualquer restrição, desde que tenha havido conformação legal anterior.
Isto, quer porque a demolição, permitida ou não, e mesmo que por desinteresse ao longo do tempo e concomitante desgaste, de facto, inexiste neste regime especial qualquer motivação, condicionante ou pressuposto legal de desafetação legalizadora pelas normas atuais, assente numa mera razão de impossibilidade fáctica de se cumprir as novas exigências, mesmo que tal ocorra, mas não é decisivo, pois o regime especial parte essencialmente do direito ao respeito pela lei em vigor na altura da construção anterior – “tempus regit acta” reais – sem descurar o princípio da proporcionalidade e expetativas criadas, face a esse facto e às possibilidades que tais normas continham e com que, a inexistir alterações legislativas, no futuro se poderia contar; e especialmente a especial proteção a dar ao direito a uma habitação condigna ou pelo menos funcionalmente melhorada.
Ou seja, tudo ligado a um princípio da confiança no respeito futuro por um direito exercido situadamente no tempo e não se pondo em causa essas legítimas expetativas, para além do razoável, tendo presente o direito vigente para se viver no futuro, desde que, na atualidade, se intente melhorar o edificado, em termos de segurança e salubridade; objetivo superior a atingir, se se pretende atuar, mesmo criando ou agravando, se for o mais adequado, desconformidades com normais exigências supervenientes do direito. E, assim, não podendo caber a regulamentos municipais de mera integração e regulação prática da matéria, e aliás posteriores ao já construído, vir criar critérios disruptivos, restritivos, sobretudo de conteúdo discricionário o mais lato possível do conceito legalizador de “melhoria das condições”. Dado o “princípio do existente”, a apreciar casuisticamente e não a normar para regidificar a aplicação dos termos previstos no artigo 60.º, ao sabor de processos regulamentares e decisórios desigualitários de cada município.
Por isso, como acontece em geral no direito, no limite de divergências contenciosas, não cabe senão aos tribunais em definitivo irem preenchendo conceitos indeterminados e medir os excessos ou insucessos aplicativos destes.
Realmente, temos aqui uma permissividade regularizadora livre de limites (não meramente formais), se tiver como resultado a “melhoria das segurança e salubridade” do edificado. Ou então, não sendo este o objetivo, limitada apenas pela preocupação de se aferir, na medida do possível, face ao direito atual, quando está em causa a situação das edificações existentes, com ou sem controlo pré-construtivo, conforme a legislação o exigisse ou não à data da obra, que ficam de todo ou ficam apenas relativamente imunes ao direito superveniente.
Tenham ou não título conforme à data de construção, dizendo naturalmente que as edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes. E, mais importante que tudo, considerando-se que posteriores obras no domínio do principio do existente, mesmo de novas edificações em substituição das existentes a demolir, não podem ser recusadas sem mais com fundamento em normas supervenientes à construção originária. Isto sem prejuízo de, por lei, poder condicionar-se a execução dessas obras à realização de trabalhos acessórios necessários para o valor decisivo que é a sua funcionalidade vivêncial, ou seja, a melhoria das condições de segurança e salubridade da edificação.
4. Considerações finais globais sobre os regimes previstos no RJUE [arriba]
Articulando o artigo 106.º, 88.º e mesmo o 60.º (se o seu aproveitamento apenas se colocar já depois de efetivadas as obras que ele permite, mas ainda sem o controlo prévio da sua aplicação), em termos da solução da demolição, resumiria o estado da questão começando por referir que, sobre o artigo 88.º (embora visando diretamente resolver uma natural preocupação com obras inacabadas, quase acabadas, mesmo já parcialmente efetivadas com base em títulos caducados), não se vê como distinguir quantitativamente, para efeitos de fronteira situacional, a realidade conceptualizada no conceito de “estado avançado” ou “inacabado” sem grande margem de arbitrariedade criadora de desigualdades de tratamento dos cidadãos. Por isso, melhor será, em regulamento municipal, interpretar-se extensivamente o articulado legal com a máximo densificação flexibilizadora, no sentido de o colocar a reportar-se a “obras em curso”, com licença especial de repetição da anterior na parte em falta, sem alterações, mesmo que relativamente não estruturalmente totalmente conformadas, pelo menos desde que não tenham ocorrido modificações de normas materiais que impliquem o desenvolvimento dos momentos seguintes previstos. E, além disso, quem permite o menos permite o mais, pelo que devem também aplicar-se as normas do tempo do título anterior para obras mais do que avançadas, já praticamente “acabadas”, embora já sem título. E mesmo também renovar o título, se continuaram sem título, porque caducado a partir de certo andamento, mesmo que, então com entrada em vigor de novas normas, seja necessária a realização de trabalhos de correção ou de alteração, em princípio não face às exigências técnicas ou planificadoras atuais, mas sempre face a normas relacionadas com o tempo do título caducado ou mesmo também anulado. Neste caso, em situação de comunicação prévia, o reconhecimento do interesse na conclusão da obra tem lugar através da não rejeição pela câmara municipal da comunicação, por referência aos fundamentos implícitos da existência do interesse na conclusão da obra, tendo-se como não considerado aconselhável proceder-se à demolição da mesma, pelas referidas razões ambientais, urbanísticas, técnicas ou económicas, sendo que o opção de demolição é que exigiria fundamentação em todas as vertentes pertinentes.
O atual direito do urbanismo não pode deixar de se reger pelo princípio constitucional da proporcionalidade. Em geral, há a obrigação de exigir, para a realização do interesse público urbanístico, o menor sacrifício possível ao particular, o que impede mandar efetivar demolições de obras ilegais, construídas sem controlo prévio devido ou com título caducado, se elas cumprem ou são suscetíveis de vir a cumprir (com alterações, como é normal), os requisitos normativos de urbanização, de estética, ou, pelo menos, de segurança e de salubridade.
Em qualquer situação irregular, a Administração tem sempre de diligenciar a regularização. E, de qualquer modo, nunca pode ordenar demolições sem precedência de contraditório e da formulação de um juízo relativo à possibilidade dessas obras poderem ser legalizadas. Só é admissível demolir em caso de juízo negativo ou de recusa do particular a operar obras de alteração tidas como absolutamente necessárias.
A demolição não é a primeira opção, antes a última. Ou seja, em caso de nada poder ser feito para regularizar física e juridicamente o construído, face no mínimo a exigências de segurança e salubridade. O exercício normal capaz de medir um interesse público não passa em regra pela demolição, antes pelo aproveitamento da construção, ao reconhecer-se que ela pode vir a ser suscetível de satisfazer esses requisitos mais elementares que possam evitar tal solução. Por exemplo, a execução da decisão de anulação de um ato de licenciamento de uma construção, por ele aprovar uma obra que desrespeite as obrigações impostas no alvará de loteamento, obriga a “notificação do interessado para que apresente projeto que respeite os requisitos nele estabelecidos e só depois, em caso de impossibilidade de legalização da construção ilegal, se passará à sua demolição” (ASTA, 1.ª Subsecção do CA, Proc.0210/09, 30-09-2009). Fora destas situações normais face ao RJUE, temos hoje normas do RJUE em defesa também do princípio da demolição como último recurso.
Para breves incursões neste tema, convocarei em geral o artigo 51.º do RJRU e, também, a normação de reabilitação temporalmente limitada, sobre as medidas excecionais para as edificações habitacionais. Já face ao atual RJUE, à partida sem possibilidade jurídica de contestação (por interpretação extensiva), devia ter-se como resolvida positivamente a questão prévia de saber se a preservação do existente contra novas regras de planeamento, face não só ao artigo 106.º, como também tendo presente os termos constantes do licenciamento especial tal como estava previsto no artigo 88 do mesmo RJUE, expressamente preocupado em responder a situações de obras inacabadas, também se aplica àquelas entretanto ou em geral já acabadas após a caducidade.
Podem ser demolidas obras inacabadas, sem possibilidade de serem terminadas face à caducidade do título permissivo, mesmo que com obras nos edifícios em momento pós-caducidade e mesmo que desconforme com o título anterior e contra o planeamento municipal (alterações desconformes com normas atualmente em vigor)? Ou mesmo obras efetivadas sem qualquer controlo prévio, partindo erradamente do pressuposto de isenção legal para tal. Como ocorreu frequentemente no mundo rural em geral face ao diploma de 1991 ou em certos municípios face regulamentação extensiva do RGEU, apenas em certas áreas do país e, portanto, durante algum tempo, de frágil conhecimento local.
Dadas as cláusulas de salvação especial em situação irregular, serão ilegalizáveis apenas as situadas dentro de áreas ambientalmente protegidas, constantes de normas com aplicabilidade plurisubjetiva (PMOT ou PIMOT). Em geral, aquelas normas municipais ou intermunicipais de planeamento integrando matéria ambiental para áreas naturais, albufeiras de águas públicas, estuários, orla marítima, águas, paisagens, restrições e servidões administrativas, em geral normas ambientais integrantes de planos locais de aplicabilidade direta aos particulares. Portanto, a regularização será a resposta adequada acerca de obras já acabadas, efetivadas sem controlo prévio na altura legalmente exigido, e já antes ou atualmente em desconformidade com normação atualmente em vigor.
Se se pretende preservar as obras iniciadas, tendo presente a sujeição a embargo e à aplicação do artigo 106.º ou o regime das obras tidas como “em estado avançado” ou “quase acabadas”, segundo prevê o artigo 88.º, ou mesmo, numa interpretação mais extensiva, totalmente acabadas já sem título (e, materialmente, se respeitando o título mesmo caducado, materialmente sem razões para distinguir das em “estado avançado de construção”), tudo regular e balizar em regulamentação municipal. Esta, na medida do possível e numa visão mais englobante da realidade das coisas a resolver, dado que ocorrem obras que, previstas no título permissivo, avançaram na sua execução no terreno, poderia integrar-se numa interpretação que não exija ter de se decidir casuística, errática e desigualmente em cada caso, sobre as sempre difíceis fronteiras sobre o que fica dentro e fora; e em que, assim, fora da solução especial facilitadora deveriam ficar apenas as obras previstas no título mas que não avançaram ainda na sua execução no terreno em termos da sua ereção, sem o que o princípio da igualdade na formulação concretizadora regulamentar em cada município, ou casuística, fica constitucionalmente em causa.
Por igual ou mesmo maioria de razão, se não se admite a aplicação também da solução do artigo 88.º, que é adequada a ter-se como aplicável, ou no mínimo (enquanto outro mais favorável ainda não existir) para as obras efetivadas com título caducado (e, portanto, com uma mera parcial ilegalidade, com data marcada sem necessidade de prova temporal, que é meramente superveniente e não originária, tal como o são as obras desconformes com um título em vigor), é o mesmo regime aplicável às já acabadas, embora em situação ilegal. Portanto, quer essas obras tenham partido de situações com título já caducado, quer não tenha havido qualquer título de controlo prévio legal (106.º, n.º 2), todas podendo obter normalmente um novo título, mesmo que com possibilidade de assegurar a conformidade com normas aplicáveis ao caso, mesmo que com obra de alteração e correção.
Podemos, com propriedade, face à normação atual, falar em preservação do existente, não só face ao artigo 60.º, aqui em sentido literal estrito, referente a construções feitas antes do momento das novas obras, se antes da existência de legislação de controlo prévio (RGEU de 1951, para áreas urbanas, e legislação de 1991, para áreas rurais, se não existiam anteriormente regulamentos municipais exigindo licenciamento). Em que não há qualquer anomalia da construção original, efetivada essencialmente tendo presente a legislação então vigente, mas também, para além do disposto nele, com controlo administrativo ou sem ele, conforme seja antes ou depois de 1951 e 1991, sem afetação dessa construção já existente, nem (em princípio) de obras futuras nela a efetivar (preservação relativa também a partir do direito ao “existente”, de possibilidades edificatórias, tendo assim presentes limites face à origem da construção), apesar de desconformidade com normação superveniente, designadamente planificadora, que sendo necessário, pode ser desconvocada. E quer a construção antiga esteja totalmente erigida (em caso de pretendidas alterações ou mesmo reconstrução), quer já em ruínas (ou melhor, em situações de existência de anterior construção não ilegal: para as situações em que se pretenda a reconstrução); e também (aqui, já apenas um princípio do primado da preservação do construído), embora com disciplinas reguladoras distintas daquela e mesmo entre si, àquelas em que, face a construções ilegais ou que entretanto se tornaram ilegais, o legislador cria soluções próprias de regularização.
Seja o artigo 106.º, “secundum legem” geral, mesmo que com dispensa de novas nomas técnicas (102.º-A, n.º5), sejam a norma do artigo 88.º do RJUE (“contralegem” geral, e que não prescinde, por exigência lógico-funcional, do enquadramento do artigo 60.º), assim como os artigos 84.º e 85.º, de substituição do executor das obras, seja pela CM, seja pelos adquirentes judicialmente autorizados, ambos em casos inacabados de urbanização e o artigo 84.º, ainda também em situações de edificação, em relação a obras inacabadas, quer passíveis de serem terminadas pela Câmara Municipal, quer por terceiros, portanto, situações de substituição na execução de obras em relação a lotes, edifícios e frações, quer para salvaguarda da segurança das edificações e do público em geral, da qualidade do ambiente e do meio urbano, assim como do património cultural.
Em conclusão sobre o artigo 106.º, em si e juntamente com os artigos 84.º, 85.º, 88.º,1, o regime das AUGI, os artigos. 59.º, 60.º e 61.º da LBPSOTU, o artigo 65.º da Constituição, tal com a mais recente jurisprudência do STA e dos TCANS, consagra-se claramente o princípio da demolição como última solução, admissível apenas se nenhuma outra solução, ou seja, nenhum outro arranjo urbanístico, por razões de segurança do edificado ou salubridade, for possível. Ou seja, só se, de todo em todo, não houver uma outra solução: mesmo que o proprietário não esteja disposto a regularizar a situação com um pedido de licenciamento especial ou a fazer alterações propostas pela Câmara Municipal. Esta ainda deve atentar na hipótese de execução forçada. A menos que a construção esteja ou passe a estar sem ter condições de se manter, por razões insupríveis de segurança da habitação ou de incapacidade de lhe introduzir modificações que resolvam problemas de insalubridade.
De qualquer modo, estando o proprietário ou passando ele a estar interessado na sua “salvação” nos termos do ordenamento jurídico, no plano material, a Câmara Municipal tem de demonstrar que não é possível aproveitar a obra ilegal, acabada ou inacabada, ou, mesmo com anterior título construtivo válido mas caducado (inacabada mas em estado avançado de conclusão, ou, por maioria de razão, se já “praticamente acabada”; e se assim, sendo recente, muito mais se, pelo tempo decorrido, a administração urbanística a tiver deixado sedimentar no património do respetivo proprietário, dela necessitando para viver.
Importa destacar que em geral até há elementos de relacionamento oficial, como registos para efeitos fiscais ou prediais, o que tudo exige análises em situação de isotonia de tratamento público, implicando tratamento igual à de uma situação de construção sem licença, por esta ser nula e portanto de nenhum efeito, mas ter decorrido tempo largo, tudo hoje com cobertura expressa ou por analogia, dado não se verem argumentos que possam justificar tratamento distinto, com base mesmo em lei escrita: o artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo (efeitos putativos de ato nulo; o ato é ilegal mas a Administração deve fazer de conta que é legal e tratar como se o fosse, em nome de princípios basilares do direito, como o da segurança jurídica e o da boa fé, da proporcionalidade, etc.).
E, casos há em que este princípio do aproveitamento do existente total ou do existente parcial, quando seja o facto, pode mesmo ser, se não diretamente baseado, pelo menos apoiado, em razões relacionadas com a existência anterior a legislação impositiva de controlo prévio (zonas urbanas e envolventes, 1951; zonas rurais, inexistindo regulamento municipal de extensão do RGEU, 1991).
Nestes casos, factos passíveis de constatação por inspeção local e análise física ao solo e subsolo de terrenos com vestígios de ruínas referentes a casario de família ou de apoio agrícola, até documentos de acesso oficial, ou mesmo face a um amplo conhecimento de cidadãos da zona ou registos comprovativos.
Portanto, de facto, temos hoje vigente esta solução de demolição apenas quando em termos regularizadores o proprietário não o pretenda fazer por querer seguir outras alternativas, ou, mesmo que o queira, nada seja possível fazer para dar ao já edificado, condições de legalização, sem que se possa justificar para situações semelhantes qualquer razão discriminatória fundada nas datas de construção sem ou com legislação conformadora, a menos que se trate de atuação infratora recente e claramente dolosa e não ponha em causa a existência de um teto familiar.
O país está cheio de situações fora de perímetros urbanos separadas pelo virar da década de oitenta para a de noventa, em que aparece a normação para zonas rurais. Cidadãos habituados à liberdade de edificar, em que aliás na generalidade até preenchiam os requisitos na novel legislação, mas faltou-lhes o procedimento licenciador entretanto imposto.
Só com soluções extremamente flexibilizadoras, se pode regularizar e viabilizar reconfigurações de melhoramentos em muitas áreas e edifícios que vivem pendentes do destino… E não só AUGI, mas também. No caso das construções e lotes das AUGI aceitando, também em nome do princípio da proporcionalidade, o preenchimento das condições mínimas de habitabilidade que garantam padrões urbanísticos mínimos, mesmo que especiais face aos exigidos pela legislação normal no momento, aliás na linha do ora revogado RETRU e novo RJOEFA.
Importa legalizar um passado que perdurou demasiado tempo. Aliás mais tempo do que as regras vigentes sobre impossibilidade de questionar edificações ilegais mesmo que por agressões graves ao direito, dando efeitos putativos e, portanto, impedindo de anular seus títulos nulos passados 10 anos. Ou muitos deles plenos de ilegalidades tidas por sanadas após o decurso de 3 meses para cidadãos e 1 ano para o MP.
É também impressionante o volume de construções habitacionais ilegais (não configuráveis no regime AUGI) existentes após o diploma de 1991 e no país em geral, isolados ou em áreas que se foram povoando, agora com construções legalizadas, no mundo rural, nos anos seguintes a esse período inicial da vigência da mera imposição de licenciamentos para a construção fora das áreas urbanas e envolventes (nestas, tal obrigação a nível nacional nasce com o RGEU de 7.8.1951.
Ou seja, construções, mesmo que com escrituras dos terrenos, erigidas a seguir aos anos de 1991, hoje a regularizar através ou de licenciamento putativo, mas dentro das normas em vigor naquele momento ou de licenciamentos nos mesmos termos do artigo 88.º também do RJUE, e tendo presente a lógica da primazia da perspetiva anti-demolição, ínsita ao próprio regime das AUGI e hoje de todo o DU.
5. Breves considerações sobre o RJRU, o anterior RJETRU de 2014 e o atual RJOEFA de 2019 [arriba]
5.1. Quanto ao RJRU em geral, passando em resumo o tema, tal como aparece conformado na sua atual legislação, vemos que o artigo 51.º, sobre a “proteção do existente”, distingue entre operações de reconstrução e alteração, por um lado, e operações de ampliação ou substituição, por outro.
Favorece as primeiras, mas impede as segundas.
Com efeito, interdita em geral que os municípios impeçam “obras de reconstrução ou alteração de edifício”, em áreas de RU, com fundamento em normas legais ou regulamentares publicadas posteriormente à construção originária, aplicáveis à data da intervenção. Com a condição de essas operações não originarem ou agravarem a sua desconformidade com as normas em vigor, serem relevantes para a melhoria das condições de salubridade da edificação ou das condições de desempenho e segurança funcional, estrutural e construtiva da edificação e não atentem contra adequadas opções de construção sobre segurança estrutural e sísmica do edifício.
E as próprias operações de ampliação ou de construções novas, mesmo demolindo, em substituição dos edifícios anteriormente existentes, desde que inseridas no âmbito de uma operação de reabilitação urbana, podem também não cumprir normas legais e regulamentares posteriores à sua original construção, se essa ampliação ou construção ex novo implicar em relação à edificação existente uma melhoria das condições de desempenho e segurança funcional, estrutural e construtiva da edificação, desde que se respeitem opções de construção à segurança estrutural e sísmica do edifício e a desconformidade criada ou agravada não traduza um ato desproporcionado face às exigências do direito do ambiente vigente. Em causa, obras de reconstrução alteração ou ampliação de um conjunto urbano ou de um edifício, permitindo, portanto, construções e utilização impedidas pela regra geral.
Em áreas delimitadas pelo município (artigo 7.º) ou projeto provado pela AM (artigo 14) ou definida como de reabilitação urbana em Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana (ou seja, em áreas ou edifícios em que seja necessária a manutenção e mesmo arranjos estéticos (artigo 6.º), porque os espaços urbanos em causa padecem de insuficiências, degradação ou obsolescência quer dos edifícios quer das infraestruturas urbanas, equipamentos ou espaços urbanos e verdes de utilização coletiva que justifiquem uma intervenção integrada; podendo mesmo estender-se a outras situações justificáveis tais como áreas e centros históricos, património cultural, imóvel classificado ou em vias de classificação e respetivas zonas de proteção, áreas urbanas degradadas ou zonas urbanas consolidadas (artigo 12).
Quanto ao Regime jurídico Excecional Temporário de Reabilitação Urbana, que se dispunha a vigorar até 2021, mas que, por força do Decreto-Lei 95/2019 de 18 de julho apenas continua a aplicar-se aos processos pendentes até 15.11.2019, importa ainda analisá-lo, além de tal ser útil para comparação com o atual que o veio substituir e que se afirma como o novo regime geral especial para edificações e frações para habitação.
O RETRU de 2014 aplicou-se e continua a reger os procedimentos em curso, quer para áreas em reabilitação, ou convoladas para tal a partir de AUGI, quer mesmo, fora destas, para habitações sozinhas ou frações construídas há pelo menos 30 anos, desde que a operação urbanística não origine desconformidades, nem agrave as existentes, ou contribua (ou pelo menos não diminua) a melhoria das condições de segurança estrutural e sísmica e salubridade do edifício ou fração, adota-se uma nova visão, optando-se por uma reabilitação evolutiva que não constitua um entrave à dinamização da reabilitação urbana, antes permita essa melhoria das condições de habitabilidade, em equilíbrio com o edificado existente e a capacidade económica do proprietário.
Em geral, este diploma dispensa a obrigação das obras de reabilitação urbana ficarem sujeitas a determinadas normas técnicas aplicáveis à construção, desde logo do RGEU, quando as mesmas, por terem sido orientadas para a construção nova e não para a reabilitação de edifícios existentes e determinando a não exigência de normas dos regimes especiais relativos à construção, desde que, em qualquer caso, as operações urbanísticas não originem desconformidades, nem agravem as existentes, ou contribuam para a melhoria das condições de segurança e salubridade do edifício ou fração.
Numa normação a pensar também na reocupação dos centros históricos dos nossos aglomerados urbanos, onde mais frequentemente estas questões se colocam.
A nova legislação veio regular a resistência sísmica mínima e a favorecer o financiamento de obras de reforço estrutural dos edifícios.
Este possível incumprimento das atuais regras do RGEU abrange nomeadamente o respeito pelas áreas mínimas de habitações, altura do pé-direito mínimo e ascensores. E as intervenções em edifícios existentes possam manter o existente, quanto às condições de segurança e de salubridade da edificação e quanto às de segurança estrutural e sísmica do edifício (cláusula da salvaguarda estrutural), mas não têm de as aumentar, bastando que não as diminuam. Dispensam-se também as regras sobre conforto térmico e acústico e sobre instalações de gás e de infraestruturas de telecomunicações.
Portanto, a demolição é aqui mais do que a “ultima ratio”, uma última das últimas ratios. Apenas para edifícios degradados de todo não reabilitáveis.
Concluindo, estamos face a situações em que vigora, desde 2014 até agora o RJETRU do DL n.º 53/2014, de 8 de abril, que, tal com o o novo diploma, é aplicável também à reabilitação de edifícios ou de frações, afetos ou que se destinem a ser afetos, total ou predominantemente, ao uso habitacional, desde que sejam construções com antiguidade, definidas como construídas há pelo menos 30 anos, ou, então, localizadas em áreas de reabilitação urbana. Regime que é aplicável, portanto, a um setor sensível e especialmente protegido para a reabilitação urbana. Em causa, obras de conservação, alteração, reconstrução, alterações de utilização e, ainda, de “construção ou de ampliação”, se as circunstâncias preexistentes impossibilitarem o cumprimento da legislação técnica aplicável, desde que não ultrapassem os alinhamentos e a cércea superior das edificações confinantes e não agravem as condições de salubridade ou segurança de outras edificações.
O atual Regime jurídico de Operações de Reabilitação de Edifícios e Frações Autónomas (RJOREFA), atual Decreto-Lei n.º 95/2019, de 18.7, tornando normal estas anteriores normas excecionais e temporárias, independentemente do ano da sua antiguidade e sem limitação futura de vigências, assume os grandes objetivos do anterior diploma, mas com algumas justificadas modificações exigenciais, designadamente no domínio da resistência sísmica, mas não só.
Este novo regime pretende afirmar-se como “um” enquadramento atualizado e adequado às especificidades da reabilitação de construções vivenciais, conciliando as “legítimas expetativas em termos de adequação aos atuais padrões de segurança, habitabilidade, conforto e simplificação do processo de reabilitação, com os princípios da sustentabilidade ambiental e da proteção do património edificado, em sentido lato”, conciliando a “melhoria das condições de habitabilidade com uma resposta responsável e proporcionada em termos de respeito pela preexistência e pela sustentabilidade ambiental” e impondo, na linha da nossa crítica ao regime anterior que não garantia a segurança estrutural, a definição das situações de sujeição da reabilitação “à elaboração de relatório de avaliação de viabilidade sísmica e o eventual reforço dos edifícios”.
Estes requisitos sobre a análise da vulnerabilidade sísmica são aplicáveis independentemente da data da construção original e, tais como os outros, os funcionais, de segurança contra incêndios, comportamento térmico e eficiência energética, acústicos, acessibilidades e instalação de infraestruturas de telecomunicações, regem-se pelo disposto artigo 2.º e por Portarias específicas de regulamentação que entraram em vigor na mesma data do decreto-lei de que dependem diretamente.
As obras de ampliação, alteração ou reconstrução podem ficar sujeitas à elaboração de relatório de avaliação de vulnerabilidade sísmica que estabeleça a sua capacidade de resistência relativamente à ação sísmica tal como há situações em que é exigível a elaboração de projeto de reforço sísmico. O relatório é exigido (de acordo com disposições construtivas e métodos de análise referentes às diferentes tipologias de edifícios, localizações e tipos de intervenção específicos) quando se verifique a existência de sinais evidentes de degradação da estrutura do edifício, ou se procedam ou tenham por efeito uma alteração do comportamento estrutural do edifício ou se a área intervencionada (incluindo demolições e ampliações) exceder os 25 % da área bruta de construção do edifício ou ainda se o custo de construção exceder em pelo menos 25 % do custo de construção nova de edifício equivalente. E, ainda nestes casos, se os edifícios forem das classes de importância III e IV definidas de acordo com a norma NP EM 1998-1:2010, embora com redução para 15% dos limites referentes às áreas de intervenção ou custo da construção (portaria n.º 302/2019 de 12.9).
Os requisitos funcionais da habitação e da edificação em conjunto aplicam-se a estas operações de reabilitação em edifícios ou frações com licença de construção emitida até 1 de janeiro de 1977.
Estas novas normas aplicam-se apenas aos espaços, instalações e elementos construtivos em intervenção, no caso de obras de “pequena reorganização espacial”, (alteração de que resulte a reorganização espacial de uma habitação que, cumulativamente, não altere a localização, forma ou dimensão de mais do que um terço do número total de compartimentos, não aumenta o número de compartimentos em mais do que um, não altere a localização, forma ou dimensão da escada, quando esta existir, não altera a dimensão do corredor interior, não altera o número de habitações e não altera o número de pisos),
Para obras de “grande reorganização espacial” (alteração de que resulte a reorganização espacial de uma habitação que vão além da dimensão das anterioremente referidas), temos a sua aplicação a toda a habitação.
Para a “obras de ampliação” (as de que resulte o aumento da área de implantação, da área total de construção, da altura da fachada ou do volume de uma edificação existente), quanto à parte preexistente da edificação, é aplicável o disposto na portaria para as obras de pequena ou grande reorganização espacial, consoante o que for devido, face à amplitude da intervenção, e quanto à parte ampliada, tem de se aplicar o RGEU.
Para as obras de reconstrução (de construção subsequentes à demolição total ou parcial de uma edificação existente, das quais resulte a reconstituição da estrutura das fachadas), na parte reconstruída aplica-se o RGEU, mas se a reconstrução não for total, na parte preexistente, são aplicáveis estas novas normas da portaria se as obras, conforme as obras sejam de pequena ou de grande reorganização espacial.
De qualquer modo, quer nas partes ampliadas quer nas reconstruídas, caso existam “fortes condicionantes” determinadas pela necessidade de coerência com o edifício existente, aplica-se esta portaria para as obras de grande reorganização espacial, devendo o projetista fundamentar tal facto na memória descritiva do projeto (segundo os princípios do novo Decreto-Lei n.º 95/2019, de 18 de julho, com o regime aplicável à reabilitação em edifícios ou frações existentes).
No interior das habitações, pode manter-se o pé-direito desde que este não seja inferior a 2,30m nos compartimentos habitáveis e 2,10 m nos compartimentos não habitáveis, sem prejuízo de aceitação da sua diminuição para valores inferiores ao do artigo 65.º do RGEU, desde que se respeite estes valores e da diminuição resultar a melhoria das condições de “segurança, conforto, salubridade ou funcionalidade”. E em situações excecionais, desde que justificados, caso se constatem garantidas as “condições de salubridade”, pode manter-se um pé-direito existente inferior aos valores mínimos estabelecidos de 2,30 e 2,10, que é sempre o limite inultrapassável.
Tal difere do regime normal e mesmo do excecional consagrado no artigo 65.º do RGEU que aponta para uma altura mínima de habitações, piso a piso, de 2,70m (27M), sem o pé-direito livre mínimo ser inferior a 2,40m (24M) e só excecionalmente, em vestíbulos, corredores, instalações sanitárias, despensas e arrecadações, sendo admissível um pé-direito com o mínimo de 2,20m (22M), e o pé-direito livre mínimo dos pisos destinados a estabelecimentos comerciais de 3m (30M) e nos tetos com vigas, inclinados, abobadados ou, em geral, contendo superfícies salientes, a altura piso a piso e ou o pé-direito mínimo anteriormente definidos devendo ser mantidos, pelo menos, em 80% da superfície do teto, admitindo-se na superfície restante que o pé-direito livre possa descer até ao mínimo de 2,20m ou de 2,70m, respetivamente, nos casos de habitação e de comércio.
No que concerne a caves, sótãos, águas furtadas e mansardas, importa ter em conta que, nas habitações situadas em sótãos, os compartimentos devem ter um pé-direito não inferior no mínimo a 2,30 para área habitável e 2,10m nas restantes, em pelo menos 50 % da sua respetiva área útil (correspondente em sótãos à soma da totalidade da área em planta com pé-direito não inferior a 2 m).
Mas, de qualquer modo, se não se verificar a redução das características de habitabilidade, pode não se cumprir o RGEU. No regime normal do RGEU só se permitiria (artigos 77.º a 80.º) a construção de caves destinadas a habitação em casos excecionais, em que a orientação e o desafogo do local permitam assegurar-lhes boas condições de habitabilidade, reconhecidas pelas câmaras municipais, devendo, neste caso, todos os compartimentos satisfazer às condições especificadas no RGEU para os andares de habitação, além de a cave dever ter, pelo menos, uma parede exterior completamente desafogada a partir de 0,15m abaixo do nível do pavimento interior e todos os compartimentos habitáveis (segundo a qualificação do quadro inserido no n°1 do artigo 66.º do RGEU: quarto de casal, quarto duplo, quarto simples, sala, cozinha e suplemento de área obrigatório ) deverem ser contíguos à fachada completamente desafogada, ser adotadas todas as disposições construtivas necessárias para garantir a defesa da cave contra infiltrações de águas superficiais e contra a humidade telúrica e para impedir que quaisquer emanações subterrâneas penetrem no seu interior e o escoamento dos esgotos dever ser conseguido por gravidade. E, no caso de habitações unifamiliares isoladas que tenham uma fachada completamente desafogada e, pelo menos, duas outras também desafogadas, só a partir de 1 metro de altura acima do pavimento interior poderão dispor-se compartimentos habitacionais contíguos a qualquer das fachadas. Para o caso de habitações unifamiliares geminadas, exigir-se-á, para este efeito, além de uma fachada completamente desafogada, apenas uma outra desafogada, nos termos já referidos para a outra hipótese. Se da construção da cave resultar a possibilidade de se abrirem janelas sobre as ruas ou sobre o terreno circundante, não poderão aquelas, em regra, ter os seus peitoris a menos de 0,40m acima do nível exterior.
Quanto às caves, sótãos, águas-furtadas e mansardas, nos termos do artigo 80.º do RGEU só podem ter acesso pela escada principal da edificação ou por elevador quando satisfaçam as condições mínimas de habitabilidade fixadas neste regulamento, sendo proibida a construção de cozinhas ou retretes nestes locais quando não reúnam as demais condições de habitabilidade.
Pode proceder-se a legalização de alteração de uso de parte de um edifício em reabilitação, com a manutenção do pé-direito aí existente, desde que sejam garantidas as condições de “segurança, conforto, salubridade e funcionalidade”.
No caso de obras de grande reorganização espacial deve existir, pelo menos; uma instalação sanitária completa (inclui, pelo menos, um lavatório, uma sanita e uma base de duche), quando a tipologia resultante for inferior a um T3 e uma instalação sanitária completa e uma instalação sanitária complementar, quando a tipologia resultante for um T3 ou T4, e deve comportar duas instalações sanitárias completas, quando a tipologia resultante for superior a um T4.
Se se tratar de obras de pequena reorganização espacial, as instalações sanitárias devem cumprir os requisitos mínimos de equipamento de uma instalação completa ou, caso já exista outra nessas condições, os de uma instalação complementar. Nesta intervenção, pode haver comunicação direta entre instalações sanitárias com sanita e compartimentos de habitação, exceto cozinhas, desde que sejam adotadas as disposições necessárias para que desse facto não resulte difusão de maus cheiros nem prejuízo para a salubridade dos compartimentos comunicantes; tal como pode haver comunicação direta entre instalações sanitárias com sanita e compartimentos de cozinha, copa ou despensa apenas quando esta comunicação se trate de uma situação preexistente e desde que se adotem as disposições necessárias para que desse facto não resulte difusão de maus cheiros nem prejuízo para a salubridade dos compartimentos comunicantes.
As escadas das habitações que sejam objeto de alteração devem ter uma largura mínima de 0,70 m e ser dimensionadas de modo a garantir uma utilização ergonómica.
Nos corredores das habitações, que sejam objeto de alteração, a largura do corredor principal tem de ter, pelo menos, 1,10m e os secundários tem de ter a largura mínima de 0,90m (artigo 70.º do RGEU).
Nos compartimentos novos ou alterados do regime de obras de pequena reorganização espacial, e todos os compartimentos habitáveis no regime de obras de grande reorganização espacial, exige-se que os compartimentos habitáveis sejam iluminados e ventilados por um ou mais vãos em comunicação direta com o exterior, cuja área total não seja inferior a um duodécimo da área do compartimento.
Se os vãos estiverem localizados em plano inclinado, a sua área mínima não pode ser inferior a um décimo da área do compartimento. Os vãos devem situar-se entre 0,80 m e 2 m de altura em relação ao pavimento do compartimento em pelo menos 50 % destas áreas mínimas previstas.
Em situações excecionais, os compartimentos habitáveis podem ser iluminados e ventilados através de outros compartimentos, desde que, quer a área total dos vãos em comunicação direta com o exterior, quer a área total dos vãos de ligação dos compartimentos, não sejam inferiores a um décimo da área total dos compartimentos. Neste caso, as marquises consideram-se espaços exteriores sempre que tenham uma área envidraçada não inferior a 60 % da superfície da fachada, ou, no caso de edifícios multifamiliares, da superfície da fachada do piso respetivo. Os vãos exteriores que forem objeto de intervenção, que normalmente deveriam cumprir as regras dos artigos 73.º e 75.º do RGEU, ficam dispensadas delas se isso não for possível, por as “condições de coerência formal” com os restantes vãos não intervencionados da mesma fachada o impedirem. A distância entre os vãos dos compartimentos das habitações e qualquer muro ou fachada fronteiros não obedece a estes artigos 73.º e 75.º do RGEU, quando sejam ambos preexistentes e não haja alteração de localização, forma ou dimensão dos vãos.
O artigo 73.º imporia normalmente que as janelas dos compartimentos das habitações fossem sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.º, não fosse inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do compartimento, com o mínimo de 3 metros e, além disso, não poderia haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, tendo de garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado. O artigo 75.º imporia que, no caso das fachadas sobre logradouros ou pátios terem varandas, alpendres ou quaisquer outras construções, salientes das paredes, suscetíveis de prejudicar as condições de iluminação ou ventilação, as distâncias ou dimensões mínimas fixadas no artigo 73.º fossem contadas a partir dos limites extremos dessas construções.
Quanto aos espaços comuns dos edifícios, determina-se que, sendo de habitação coletiva, não é exigível o cumprimento do RGEU (artigos 46.º, 47.º e 50.º) sobre escadas e elevadores existentes, nem sobre logradouros (76.º), mas nestes casos interdita-se a redução das suas dimensões ou características funcionais. Nestes edifícios, também não é exigível respeitar o sistema de evacuação de lixos (artigo 97.º)
Com efeito, o artigo 46.º sobre comunicações verticais, imporia normalmente que a largura dos lanços das escadas nas moradias unifamiliares fosse, no mínimo, de 0,80 m. e nas de habitação coletiva até dois pisos ou quatro habitações, servidas pela mesma escada, os lanços teriam de ter a largura mínima de 0,90 m e, nestas edificações com mais de dois pisos ou com mais de quatro habitações, servidas pela mesma escada, os lanços teriam de contar com a largura mínima de 1,10 m. E nestes edifícios de habitação coletiva, quando os lanços se situem entre paredes, a sua largura mínima, nos casos de dois pisos ou quatro habitações, de 1,10 m e, nos casos de ter mais pisos ou quartos, de 1,20 m. Nos edifícios que integrem um corpo de altura superior a 30 m, a largura mínima admissível das escadas seria de 1,40 m. As larguras mínimas dos patamares para onde se abrem as portas de acesso às habitações, 1,10 m ou 1,40 m, nos casos de terem mais de dois pisos ou quatro quartos, e 1,50 m, no caso de terem um corpo de altura superior a 30 m. Os degraus das escadas das edificações para habitação coletiva devem ter a largura (cobertor) mínima de 0,25 m e a altura (espelho) máxima de 0,193 m, mas, no entanto, nos edifícios de três, quatro ou cinco pisos e sempre que não seja instalado ascensor, a largura (cobertor) mínima tem de ser de 0,280 m e a altura (espelho) máxima de 0,175 m. Mantendo-se as dimensões adotadas constantes nos lanços entre pisos consecutivos.
O artigo 47.º sobre escadas de acesso, sendo este comum, normalmente imporia que, nas edificações com mais de três pisos terão, sempre que possível, de ser iluminadas e ventiladas por meio de aberturas praticadas nas paredes em comunicação direta com o exterior. Mas, nos dois andares superiores e no seu conjunto até três pisos, tal como no seu conjunto nas edificações até três pisos, a iluminação e ventilação das escadas de acesso comum podem fazer-se por claraboias providas de ventiladores, devendo as escadas ter no seu eixo um espaço vazio com largura não inferior a 40 centímetros. O Artigo 50.º dispõe normalmente que, nas edificações para habitação coletiva, se a altura do último piso para habitação ultrapassar 11,5m (a partir da cota mais baixa do arranque dos degraus ou rampas de acesso do interior do edifício), isso obriga à instalação de ascensores. Estes ascensores, no mínimo de dois (têm de ser dimensionados tendo presente o número de habitantes), com a capacidade mínima para quatro pessoas, de modo a poder ser utilizado por todos os pisos de acesso aos fogos. Nestas edificações com mais de três pisos e em que a altura do último piso para habitação for inferior a 11,5 m, deve prever-se espaço para uma futura instalação, no mínimo, de um ascensor.
O artigo 76.º obriga a que, nos logradouros e noutros espaços livres se tenha de ter ao longo da construção uma faixa de, pelo menos, 1 metro de largura, revestida de material impermeável ou outra disposição igualmente eficiente para proteger as paredes contra infiltrações. A área restante deverá ser ajardinada ou ter outro arranjo condigno. Os pavimentos dos pátios e as faixas impermeáveis dos espaços livres deverão ser construídos com inclinações que assegurem rápido e completo escoamento das águas pluviais ou de lavagem para uma abertura com ralo e vedação hidráulica, que poderá ser ligada ao esgoto do prédio.
O artigo 97.º exige, em situações normais, que, nas edificações de mais de quatro pisos (contando a cave e o sótão), sempre que sejam habitáveis e se não estiver previsto nenhum outro sistema mais aperfeiçoado de evacuação de lixos, se tenha, pelo menos, um compartimento (facilmente acessível, bem ventilado e com disposições apropriadas para a sua lavagem frequente) para serem nele colocados contentores dos lixos dos pisos do prédio.
No que concerne à altura máxima da edificação nas edificações em conjunto (artigo 15.º e Portaria n.º304/2019, de 12.9), em princípio não é exigível o cumprimento do RGEU se a desconformidade for preexistente, embora também não seja permitido o seu agravamento.
Como resultaria da aplicação normal do artigo 59.º do RGEU, que impõe (embora com adaptações para terrenos em declive, edifícios em gaveto, construções que ocupem todo o intervalo entre dois arruamentos de larguras ou níveis diferentes e situações de interrupção de continuidade numa fila de construções) que nenhum dos elementos do prédio (com exceção de chaminés e acessórios decorativos) ultrapasse em altura o limite definido pela linha reta a 45º, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior. Aliás, face a “direitos à salubridade e à insolação”, aplicável às fachadas principais, tal como para as fachadas laterais o artigo 73.º, está conferido aos proprietários ofendidos o direito de fazerem diretamente o embargo de obra nova por via extrajudicial e futura demolição ou indemnização).
Nas obras de ampliação, se dela resultar o aumento do número de pisos, tem de ser respeitado o RGEU, exceto desconformidade já preexistente e desde que não se agrave esta desconformidade.
No entanto, se o edifício se localizar em área disciplinada por regulamento planificador, as regras deste prevalecem.
Em termos de afastamentos mínimos entre fachadas de habitações com vãos de compartimentos habitáveis, a distância entre estes vãos de compartimentos preexistentes (se os vãos não forem objeto de alteração de localização, forma ou dimensão), pode não cumprir o valor mínimo do RGEU (artigo 60.º, que é de 10 metros, salvo exceção, se o plano municipal para a zona não o impedir, permitida pela Câmara Municipal para arruamentos já ladeados por edifícios, no todo ou em parte). Mas, nas fachadas que não respeitem o RGEU, só poderão ser criados ou alterados vãos por motivos de segurança, salubridade ou coerência formal com os restantes vãos não intervencionados da mesma fachada.
Quanto ao intervalo entre fachadas posteriores, não é exigível o cumprimento do do RGEU e dispensando-se o parecer favorável da comissão municipal de higiene. Mas, nos casos em que se procede a uma total reorganização espacial do lote, tem de se cumprir o disposto no artigo 62.º do RGEU.
Com efeito, este artigo 62.º tem exigências normais, mas eventualmente difíceis de aplicar a construções antigas, ao mandar efetivar a disposição dos lotes de modo que o menor intervalo entre fachadas posteriores esteja de acordo com as exigências do referido artigo 59.º -e consagrando exigências sobre dimensões dos logradouros em profundidade e largura-, no que se refere ao intervalo entre essas fachadas posteriores (sem exceções, salvo condições excecionais irremediáveis, embora podendo admitir-se soluções anormais se a natureza da construção seu destino ou caracter arquitetónico o exigir e estiverem garantidas condições de salubridade mínimas: artigo 63.º e 64.º do RGEU),
O Decreto-Lei n.º 95/2019 veio clarificar e densificar as situações em que é possível recorrer à aplicação de métodos de verificação ligados à segurança contra incêndios.
No entanto, para o efeito, pode ser dispensada a aplicação de certas disposições da regulamentação de segurança ao incêndio quando a sua aplicação seja manifestamente desproporcionada, de acordo com os princípios do Decreto-Lei n.º 95/2019, mediante decisão da entidade competente para a apreciação do projeto de segurança contra incêndio em edifícios e que cabe ao projetista determinar as medidas de segurança contra incêndio a implementar no edifício, com fundamentação adequada na memória descritiva do projeto de segurança contra incêndio, recorrendo a métodos de análise das condições de segurança contra incêndio ou métodos de análise de risco, reconhecidos pela ANEPC ou por método a publicar pelo LNEC. O relatório com o método ARICA:2019 – Método de avaliação da segurança ao incêndio em edifícios existentes, nos termos do estabelecido no artigo 14.º-A do Decreto-Lei 220/2008, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 95/2019 vem hoje reger esta matéria. A versão apresentada neste relatório reflete uma reorientação do método, passando-se de uma versão vocacionada para a análise do risco de incêndio em centros urbanos antigos, para uma versão cujo objetivo é a análise das condições de segurança ao incêndio em projetos de intervenção em edifícios existentes, tendo por referencial a regulamentação em vigor.
No âmbito energético, em relação a edifícios com procedimento de controlo administrativo antes da entrada em vigor do DL 40/99, de 6.2, procedeu-se à alteração da Portaria n.º349/2013, de 29.9, definidora da “metodologia de determinação da classe de desempenho energético para a tipologia de pré-certificados e certificados do SCE” e dos requisitos de “comportamento técnico e de eficiência dos sistemas técnicos dos edifícios novos e edifícios sujeitos a grande intervenção” e tendo presente quer a alteração à estatuição do art.º30.º do DL 118/2013 de 20.8, de que os edifícios de habitação existentes estão sujeitos a requisitos de comportamento térmico quando sejam alvo de intervenção, nos termos previstos nos artigos 28.º e seguintes, e a requisitos de eficiência dos sistemas, sempre que se verifique a instalação de novos sistemas técnicos nos edifícios ou a substituição ou melhoria dos sistemas existentes, na medida em que tal seja possível do ponto de vista técnico, funcional e ou económico”, quer os novos aditamentos legais, segundo os quais a metodologia deve ser feita em função do tipo de edifício e do custo da intervenção, sendo este custo calculado de a cordo com a respetiva portaria de aplicação para a área da reabilitação e as situações singulares nestas operações de reabilitação, quando aplicáveis, “são fundamentadas e reconhecidas ao abrigo dos princípios estabelecidos no DL 95/2019. O Anexo II da Portaria vem agora estabelecer essa metodologia de certificação para habitações com construção anterior à aplicação do Decreto-Lei n.º 40/90 de 6 de fevereiro quanto a esses requisitos de eficiência energética e de qualidade térmica, com modelo facilitador de aplicação e requisitos (coeficientes de transmissão térmica superficial dos elementos a intervencionar, fatores solares; regras de simplificação adaptadas, valores dos fatores multiplicativos para determinação de perdas térmicas lineares, etc. (Portaria 297/2019, de 9.9).
Quanto aos novos requisitos acústicos, face a um aditamento ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 129/2002, de 11 de maio (Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios), vem dispor-se (n.º8) que às operações de reabilitação de construções a que é aplicável o DL95/2019, desde que construídas ao abrigo do direito anterior, se aplica o seguinte regime: nas obras de alteração e nas obras de ampliação, relativamente à parte preexistente, as normas técnicas da mova Portaria se estas se revelarem mais adequados, em função dos princípios consagrados no DL95/2019; nas obras de ampliação, relativamente à parte ampliada, e nas obras de reconstrução, é aplicável o regime normal da lei, exceto se existirem “fortes condicionantes determinadas pela necessidade de coerência com o edifício preexistente”, casos em que então se aplicará a Portaria específica. De qualquer modo, a aplicação das normas técnicas é sempre fundamentada pelo projetista na memória descritiva para apreciação pela entidade competente.
Quanto ao o método de projeto para a melhoria da acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada em edifícios habitacionais existente, o DL 163/2006, de 8.8 (sobre regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais), passou a dispor-se que as normas técnicas sobre acessibilidades se aplicam aos edifícios habitacionais e predominantemente habitacionais, mas que, quando as operações urbanísticas ocorreram antes de 15.11.2019 (e as construídas depois se resultarem de título referente à aplicação transitória do DL 53/2014), as medidas da portaria de aplicação do DL 95/2019, definidas no método de projeto para a melhoria da acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada em edifícios de habitação existentes, são aplicáveis nas obras de alteração, à totalidade da área intervencionada, e nas obras de ampliação, à parte pré-existente. Esta aplicação tem de ser fundamentada pelo projetista na memória descritiva e apreciada pela entidade competente para aprovação do projeto.
Nas áreas ampliadas de uma obra de ampliação e nas áreas reconstruídas de uma obra de reconstrução, aplica-se o disposto no anexo a este decreto-lei, podendo excecionalmente aplicar-se o método de projeto referido no n.º 2, nos casos em que existam fortes condicionantes determinadas pela necessidade de coerência com o edifício existente, ou for impraticável a satisfação de alguma ou algumas das especificações das normas técnicas do referido anexo, devendo, nesse caso, o projetista fundamentar tal facto na memória descritiva do projeto, a ser apreciada pela entidade competente para a aprovação.»
Para este do regime de acessibilidades, consideram-se “pessoas com mobilidade condicionada, as pessoas que, de forma temporária ou permanente, utilizam cadeiras de rodas ou produtos de apoio para a marcha, como canadianas, andarilhos ou bengalas, as pessoas com dificuldades de coordenação motora, as pessoas que não conseguem percorrer grandes distâncias, as pessoas com baixa estatura, as pessoas com dificuldades sensoriais, tais como as pessoas com deficiência visual ou surdas e ainda aquelas que, em virtude do seu percurso de vida, se apresentam transitoriamente condicionadas, como grávidas, crianças e pessoas idosas” (art.º1.º, n.º2, Portaria 301/2019, 12.9).
No que concerne ao regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas (art.º 59.º, DL 123/2009, 21.5), quando a licença de construção tenha sido emitida até 1 de janeiro de 1977, apenas é obrigatória a instalação de espaços para as tubagens da coluna montante do edifício e redes de tubagem necessárias para a eventual instalação posterior de diversos equipamentos, canos e outros dispositivos (devendo as tubagens garantir a ligação das redes e infraestruturas públicas de comunicações do exterior do edifício até ao interior do mesmo e, no caso dos espaços e redes de tubagens, a uma das divisões secas de maior dimensão de cada fração), passagem aérea de topo e entrada de cabos subterrânea e sistemas de cablagem em pares de cobre, cabo coaxial, para distribuição de sinais sonoros e televisivos do tipo A e em fibra ótica.
No que concerne à aplicação dos Eurocódigos, foi publicado o Despacho Normativo n.º 21/2019, de 17.9 (vigente a partir de 15.12.2019, sem prejuízo de regras de submissão à aprovação de projetos referentes ao período transitório de 3 anos, face a atuais regulamentos de segurança).
Ele veio aprova as condições para a utilização dos Eurocódigos Estruturais nos projetos de estruturas de edifícios realizados com diferentes materiais, enquanto regras de projeto de estruturas e como tal a base para a elaboração de cadernos de encargos para a execução das obras de construção e para a prestação de serviços de engenharia correlacionados e servir de base para a elaboração de especificações técnicas europeias harmonizadas para os produtos de construção. São documentos de referência para comprovar a conformidade dos edifícios e das obras de engenharia civil com os requisitos básicos estabelecidos no Regulamento (UE) n.º 305/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março (Regulamento do Produtos de Construção), transposto pelo Decreto-Lei n.º 130/2013, de 10 de setembro. Como tal, favorecem a internacionalização do setor nacional da construção, designadamente das atividades relativas ao projeto de estruturas e à consultadoria, criando, assim, novas oportunidades de emprego.
Um deles é um Eurocódigo relativo à resistência aos sismos que inclui uma parte relativa a avaliação e reabilitação de edifícios existentes. O ANEXO I da Portaria contém as normas (NP EN) a observar na elaboração dos diversos projetos de estruturas, no Anexo II para os de betão e no Anexo III, dos projetos das estruturas de aço.
6. Considerações gerais sobre regime jurídico da reconversão das áreas urbanas de génese ilegal [arriba]
Em muitos locais, é visível que a construção se fez, em muitos aglomerados urbanos, sem regras do RGEU e diplomas complementares, que lhe sucederam.
Construções sem planeamento público ou de iniciativa particular e aprovação pública, sem respeito por regras urbanísticas de loteamento e de edificação e sem atenção a condicionantes da realização dessas construções, como é o caso de muitas operações que subsistem sobretudo nas áreas metropolitanas.
Não foram precedidas de loteamentos urbanos legalmente exigidos. Nascendo sem controlo autárquico. E, por vezes, embora nem sempre, traduzindo situações de incompatibilidade planificadora dos locais escolhidos por loteadores clandestinos. Sobretudo nos casos de áreas destinados à habitação, esta aparecia frequentemente sem a necessária qualidade de vida, conceito intrinsecamente ligado ao direito constitucional português, e que reflete apenas a procura de um espaço que permita às pessoas, mais do que estar e sobreviver, viver em condições edificatórias e ambientais sadias.
Embora uma coisa seja a ilegalidade por falta de controlo pré-edificador e outra a sua existência em situações de controlo público irregular e com ilegalidade grave, a que se reportam os artigos 67.º (sobre a validade dos títulos de construção ou utilização, conforme com a norma do tempo), 68.º e 69.º (sobre a nulidade e período da sua eficácia antes de produzir efeitos putativos ao fim de certo tempo), do RJUE (DL 555/99), embora todas elas apontem para consequências de sancionamento jurídico e corretivo previstas no artigo 102.º, 102.º-A e outros do RJUE e a grande maioria possa ter resposta solutiva, sem mais ou nos termos do regime do RJRU e RJORWFA de 18.7.2019, das AUGI ou do próprio artigo 88.º deste RJUE. A conversão das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística em áreas de reabilitação urbana pode operar-se por deliberação da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, que deve englobar a aprovação da estratégia de reabilitação urbana ou do programa estratégico de reabilitação urbana, nos termos deste regime específico. A conversão pode ser feita através da aprovação de plano de pormenor de reabilitação urbana que inclua na sua área de intervenção a área crítica de recuperação e reconversão urbanística em causa.
A razão de ser do regime excecional das AUGI (Lei n.º91/95, de 2.9, com uma última alteração em 2015) é permitir legalização às pessoas, normalmente menos abastadas financeiramente, as construções para sua habitação (ASTJ n.º 3703/07.5TBALM-A.L1.S1, 19.4.2012), pretendendo-se evitar demolições, eventualmente em cadeia, o que, em grande número de casos, seria a solução normal ou provável, mas em perda de valor económico e social relevante, ao permitir-se a construção em áreas territoriais “já adquiridas”, mas em que, normalmente, a edificação, não só não teria sido legalmente possível, como continuaria a ser não passível de regularização pela legislação posterior, a não ser, eventualmente, em procedimento de licenciamento especial individualizado.
Como refere a lei sobre a reconversão das AUGI, estas são “prédios ou conjuntos de prédios parcelados” sem o devido loteamento municipal. Em causa, terrenos, na totalidade ou predominantemente, ocupados por construções não licenciadas e “prédios ou conjuntos de prédios contíguos”, em área que, nos planos autárquicos de ordenamento do território estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, mas que legalmente pressupunham a existência de um loteamento devidamente licenciado pelo município, o qual não existe, resultando apenas de “operações físicas de parcelamento destinadas à construção” (até à data da entrada em vigor do DL n.º 400/84, de 31.12).
Portanto, consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do DL n.º 400/84, de 31.12, e que, nos respetivos planos locais de ordenamento do território (PIMOT/PMOT), estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, embora nas áreas de loteamento ou construção ilegais apenas parcialmente classificadas como espaço urbano ou urbanizável no Plano local, a operação de reconversão possa abranger a sua totalidade, desde que a maior parte da área delimitada esteja classificada como urbana ou urbanizável e a área não classificada como urbana ou urbanizável esteja ocupada maioritariamente com construções destinadas a habitação própria que preencham as condições de salubridade e segurança legalmente previstas e que se encontrem participadas na matriz à data da entrada em vigor desta lei, além dos prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 46.673, de 29.11.1965, quando predominantemente ocupados por construções não licenciadas.
Sobre as Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística e regime jurídico da Reabilitação Urbana, importa referir que o artigo 78.º do RJRU veio permitir converter as AUGI [reguladas pela Lei n.º91/95, de 2 de setembro de 1991 (com uma última alteração pela Lei n.º 70/2015, de 16 de julho), sucedendo ao anterior regime do DL n.º 794/76, de 5 de Novembro (alterado pelos DL n.os 313/80, de 19 de Agosto, e 400/84, de 31 de Dezembro)], numa ou mais áreas de reabilitação urbana, nos termos do regime específico das AUGI.
Cabe às câmaras municipais a delimitação do perímetro das AUGI existentes no seu território. Delimitação a efetivar com recurso a qualquer meio gráfico, cadastral ou registal que identifique com clareza a área delimitada, a qual corresponde à área que, no entendimento da câmara municipal, deve ser objeto de um único processo de reconversão urbanística, podendo integrar um ou mais prédios contíguos.
E cabe-lhes fixar, por sua iniciativa, a modalidade da sua reconversão, podendo, no entanto, alterar o processo e a modalidade de reconversão, face a requerimento de qualquer interessado com uma proposta devidamente justificada, após audição da comissão de administração, se já existir (pedido de declaração de AUGI). Este pedido deve ser apreciado no prazo de 90 dias, sem o que ocorre o indeferido tácito do mesmo. De qualquer modo, podem sempre ser propostas alterações à delimitação das AUGI, com fundamentados que sejam tidos por adequados (v.g., no melhor conhecimento da realidade local, nos ajustamentos de escalas e na melhor delimitação técnica), até à convocação da assembleia constitutiva da administração conjunta. No entanto, as áreas de loteamento e construções ilegais não abrangidos pela normação anteriormente referida devem ser objeto de estudo que permita a sua reafetação ao uso previsto nos planos municipais. E a assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, pode também autorizar excecionalmente a manutenção de construções que não preencham os requisitos necessários à legalização das construções, mediante aprovação do regulamento municipal.
Sem prejuízo da obrigação de alteração do plano territorial, podem ser delimitadas áreas de classificação mista do solo. Permite-se estender a operação de reconversão também à parte de área rural, passível de integrar a delimitação a efetivar se esta parte de solo for minoritária em relação à parte não rural. Com efeito, nas áreas de loteamento ou construção ilegais parcialmente classificadas como espaço urbano ou urbanizável nos planos de ordenamento territoriais, pode em certas condições efetivar-se uma operação de reconversão pode abarcando toda essa área de bairro ilegal. Tal depende da área não classificada como urbana (ou urbanizável) estar ocupada maioritariamente com construções estarem participadas na respetiva matriz à data da entrada em vigor da lei da AUGI e serem destinadas a habitação própria e preencherem as condições legalmente previstas de salubridade e segurança (5.º, n.º 1 e 3).
No caso de áreas abrangidas por “reserva ou servidão”, desde que não seja posto em causa o “conteúdo essencial ou o fim de uma ou outra, nem se coloque em perigo a segurança ou a saúde das pessoas e bens, elas podem ser desafetadas na parte estritamente necessária à viabilização da operação de reconversão (5.º, n.º2).
Cabe ao instrumento de reconversão estabelecer o prazo em que os donos das construções com ele não conformes são obrigados a proceder às alterações necessárias.
Os titulares de direitos nas AUGI (donos de construções participadas na matriz predial, proprietários ou comproprietários, e promitentes-compradores já na posse do edificado, que respondem solidariamente pelas despesas) têm um dever de reconversão sob pena da autoridade municipal poder suspender a ligação às redes de infraestruturas (art.º3, n.º7). Este dever obriga à conformação os prédios com o futuro alvará de loteamento ou plano de pormenor de reconversão de acordo com o decidido e dentro dos prazos indicado pelas câmaras municipais e comparticipar nas despesas necessárias da operação (n.º2 e 3).
No que concerne às AUGI, o regime essencial pertinente em termos de normas materiais e procedimentais de regularização consta, quanto aos pedidos de informação prévia para os loteamentos e edificações efetivadas, do artigo 17.º, quando às construções, dos artigos 7.º, n.º4, 7.º-A, 23.º e 46.º, quanto aos loteamentos, dos artigos 18.º, n.º 1 e 2, e 24.º, sobre os pareceres exteriores, o artigo 20.º, n.º5 e sobre a legalização condicionada de edificações, o 51.º. Atualmente, a .lei impôs a delimitação das respetivas áreas até 31.12,2015 e a emissão dos títulos de reconversão até 30.6.2021.
Este regime excecional de regularização visa a reconversão urbanística das áreas clandestinas em causa, definindo os princípios gerais desse processo, regulando o regime da administração dos prédios aí integrados, atribuindo as competências e o funcionamento da assembleia de proprietários ou comproprietários e da comissão de administração daqueles prédios, os mecanismos conducentes a reconversão por iniciativa dos particulares (através de pedido de loteamento endereçado as câmaras municipais), ou por iniciativa municipal (mediante elaboração de planos de pormenor de reconversão), as modalidades e os critérios de divisão dos prédios integrados, além de outras matérias de interesse geral, tais como a questão dos loteadores ilegais, licenciamento condicionado, embargo, eventual demolição de construções e encargos. Portanto, em causa está a reconversão urbanística do solo e a legalização das construções (artigo 3.º, n.º1)
O procedimento de legalização (com as alterações a efetivar sendo necessário em prazo fixado pelo instrumento de reconversão, nunca inferior a 3 anos) implica a obrigação de o efetivar, dando conformidade ao instrumento titulador da operação de reconversão.
Este, em princípio segue o procedimento previsto no artigo 102.º-A do RJUE, mas com as especificidades do regime AUGI e tendo presentes as exigências técnicas tais como previstas em normas específicas de regulamentos municipais de urbanismo. Desde logo, permite-se que, mesmo que na altura da construção não tenham sido cumpridas as normas aplicáveis nessa data (que, salvo prova em contrário, se presume a da inscrição na matriz), a menos que não se encontrem salvaguardadas as condições mínimas de habitabilidade definidas na Portaria n.º 243/84, de 17 de abril (ficando os afastamentos mínimos referidos no artigo 73.º do regulamento geral das edificações urbanas reduzidos a metade, com o mínimo de 1,5 m ao limite de qualquer lote contíguo) ou, outras mais favoráveis em geral para a reabilitação de edifícios de habitação, tais como as do RJOREFA de 18.7.2019.
Mas podem legalizar-se construções em parcelas não necessitadas de transformação fundiária, caso existam arruamentos e infraestruturas de abastecimento de água e saneamento.
Quanto a construções ou obras feitas posteriormente à deliberação de reconversão (ou que, face a vistoria, não se prove na audiência prévia que elas são anteriores à data dessa assembleia da AUGI que deliberou promover a reconversão), se estiverem em desconformidade com a planta real oficializada da AUGI, obrigam a proceder-se à reposição da situação anterior, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (artigo 23.º).
Também as operações de loteamento no âmbito da reconversão (a deferir no prazo de 45 dias após o pedido de licenciamento, sob pena de deferimento tácito), seguem o RJUE, mas com adaptações pertinentes para o objetivo concreto, designadamente dispensas de elementos sobre redes existentes em condições de funcionamento e estudos de impacto ambiental (artigos 18.º). O licenciamento só pode ser recusado se não respeitar a delimitação da AUGI, normas legais aplicáveis ou o instrumento de planificação aplicável. Os projetos de deliberação favoráveis ficam sujeitos a consulta pública pré-deliberativa (24.º),
Os perdidos de pareceres exteriores têm de ser construtivos, pelo que, processando-se nos termos do RJUE (artigos 13.º e 13.º-A), devem ser sempre acompanhadas da solução ou soluções que viabilizem a legalização (20.º, n.º5).
Sobre a possibilidade de obras antecipadas anteriormente à aprovação final do instrumento de reconversão. de edificações, permite-se a legalização de modo condicionado dessa realização de obras pelos particulares desde que efetivadas em conformidade com o “projeto de loteamento aprovado”, desde que (além do pagamento das as comparticipações devidas imputáveis à parcela se achem integralmente satisfeitas) seja observado o processo de legalização das construções das augi nos termos do seu artigo 7.º e seja provada a “necessidade urgente de habitação própria e permanente”, visando tais obras dotar a construção existente de condições de habitabilidade ou, também, se estiver em causa o exercício de atividade económica de que dependa a subsistência do respetivo agregado familiar. No entanto, o título legal resultante da autorização de utilização só é emitido depois da entrada em vigor do instrumento de reconversão (51.º).
Em qualquer caso, e embora a título excecional (e não como solução normal generalizável), as Câmaras municipais podem, em cada caso justificadamente, levar à aprovação das assembleias municipais uma proposta de autorização para a manutenção de construções que não preencham os requisitos necessários. Esta legalização parlamentar das construções efetiva-se a partir de uma prévia aprovação de regulamento municipal (46.º).
Nestes prédios, submetidos a operação de loteamento ilegal, presume-se que o loteador ilegal pretendeu integrar no domínio público municipal as áreas que afetou a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de utilização coletiva. Esta presunção é ilidível judicialmente por ação do loteador ilegal ou seu sucessor contra a administração conjunta da AUGI (prazo de seis meses, contado da data da assembleia constitutiva eleitora da administração conjunta, por iniciativa de qualquer proprietário ou comproprietário ou do poder local. Esta ação judicial é intentada contra a câmara municipal no prazo de seis meses, contados desde a data da deliberação camarária de delimitação do perímetro da AUGI e fixação da modalidade de reconversão, se o processo de reconversão urbanística for organizado como operação de loteamento ou mediante PPIMOT ou PPMOT da iniciativa das autarquias locais, na modalidade de intervenção sem o apoio da administração conjunta. Há áreas insuscetíveis de reconversão urbanística (artigo 48).
Entre os aspetos a destacar, há o regime especial de divisão de coisa comum das AUGI constituídas em regime de compropriedade até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º400/84, de 31 de Dezembro. Há o direito de exigir a divisão após a emissão do título de reconversão. A divisão efetiva-se em conformidade com o alvará do loteamento ou a planta de implantação do plano de pormenor, por acordo de uso, sem prejuízo do recurso à divisão por escritura pública ou por decisão judicial. A divisão por acordo de uso constará do alvará ou deliberação municipal, que aprove o plano de pormenor a que o loteamento corresponde na sua essência, por referência à situação evidenciada na planta que evidencie a realidade atual da AUGI. Designadamente com a repartição do solo emergente do loteamento de génese ilegal, a indicação concreta da implantação, a área de construção, o número de pisos, as cérceas e as cotas de soleira das construções existentes. E identificando, ainda, as construções que não cumpram os requisitos das várias disposições legais aplicáveis, com indicação das construções a demolir e ou a alterar em face da proposta de reconversão. Na divisão por acordo de uso, nenhum dos interessados pode levar exclusivamente tornas, caso não dê o seu assentimento expresso em documento autêntico ou autenticado.
* Catedrático Jubilado de Direito Administrativo e de Direito do Ambiente, Ordenamento do Território e do Urbanismo da Universidade de Lisboa e Professor do ISMAT.