Doctrina
Título:Considerações sobre a teoria da tipologia das relações jurídicas da administração pública com os cidadãos e seus direitos e deveres. em especial direitos, deveres e poderes na atividade circunscritiva de natureza policial
Autor:dos Reis Condesso, Fernando
País:
Portugal
Publicación:Revista Iberoamericana de Derecho Ambiental y Recursos Naturales - Número 26 - Diciembre 2017
Fecha:14-11-2017 Cita:IJ-CDLXXXIV-681
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Considerações sobre a teoria da tipologia das relações jurídicas da administração pública com os cidadãos e seus direitos e deveres. em especial direitos, deveres e poderes na atividade circunscritiva de natureza policial

Fernando dos Reis Condesso
Catedrático de Direito Público da Universidade de Lisboa e do Instituto Universitário de Portimão-ISMAT

 

Este tema tem especial importância em termos de ordem pública, mas nem sempre se desenvolve da melhor maneira no âmbito da administração ambiental, pelo que me merece algumas considerações, embora tecidas numa abordagem tanto quanto possível abrangente e não meramente setorial. Com efeito, se no domínio do direito do ambiente, todo o tipo de intervenções administrativas ordenadas à sua defesa, prevenção, correção e repressão-sancionamento, devem ser devidamente ponderadas e valorizadas como meios protetivos e com base generalizada na aplicação de todo o tipo de princípios gerais da Administração, aquelas intervenções que representam atuações de índole mais consequentes e nem sempre melhor aplicadas são as de incentivação-promoção, substituição de sanções (em moldes favoráveis ao ambiente em termos de programas corretivos de posturas comportamentais) e limitação de atuações dos particulares.

Em Estado de Direito, as relações jurídicas desenvolvidas entre a Administração pública (no sentido transorgânico público, ou seja, quaisquer entidades, de direito público ou privado, que desempenhem a função administrativa do Estado-Comunidade) e os cidadãos (em sentido amplo, em geral os particulares enquanto sujeitos privados protagonistas principais da Comunidade política, dotados de liberdades, direitos e deveres) são normalmente reguladas pelo direito administrativo (embora nem sempre necessariamente), o qual a ambos submete ao princípio da legalidade. Aos cidadãos, sempre ao da legalidade negativa (poder fazer tudo o que não seja normativamente interdito) e à administração pública, simultaneamente ao princípio da legalidade negativa e da legalidade positiva (poder restrito ao que lhe é imposto pelo direito administrativo e a usar nos estritos termos por este imposto ou permitido). Princípio este que, junto ao princípio da tutela judicial efetiva, garante o respeito pelas normas superiormente estabelecidas e o acesso ao controlo interno, administrativo, e controlo independente por órgãos jurisdicionais públicos.

Com efeito, este princípio da legalidade positiva, a que a Administração está hoje em geral sujeita, abarca todo o tipo e natureza de intervenções administrativas, suas formas concretas de modulação e procedimentos legalmente previstos, sendo ele que, juntamente com o funcionamento -a montante ou a jusante- de técnicas tutelares ou impugnatórias e a existência de órgãos de controlo administrativo (impugnações, entidades administrativas independentes de queixa, parecer ou em geral atos condicionantes), assim como as jurisdições ordinárias ou especializadas (direito fundamental à tutela devida e em prazo razoável), constituem os instrumentos fundamentais de garantia dos cidadãos e da paz social em geral.

Sempre que um particular tenha conexão com um assunto concreto sujeito à apreciação e decisão de uma entidade administrativa, ou seja, se encontre numa posição de “interessado” em relação a situações e soluções que se reporte a um assunto que mexa com a sua situação jurídica relacional com a administração pública (afetado positiva ou negativamente ou presumivelmente afetável), ele é titular de um direito público subjetivo em sentido amplo (ou direito e interesse legítimo concreto, qualquer que seja o conceito deste: direito subjetivo clássico, direito reflexo, direito a ser tratado sem desrespeito da lei, direito ao exercício de poderes discricionários sem desvio de poder), que legitimamente lhe cabe defender procedimentalmente com apoio probatório da própria administração pública (princípio do inquisitório que é complementar do do ónus da prova).

Há, nestes casos, um interesse individual protegível, sem prejuízo de situações ligadas a interesses coletivos e outros classificáveis legalmente como difusos (legalmente definidos, permitindo participações não só promoções de “ações públicas” pela Magistratura dos agentes estaduais do ministério dito público ou fiscal e mesmo procedimentais e jurisdicionais ditas populares), em que não é necessário comprovar a existência de direitos subjetivos ou interesses legítimos individuais ou mais ou menos meta ou transindividuais e de subjetividade indeterminada [individuais homogéneos (comungados por pessoas determináveis na mesma situação de facto), difusos (sem apoio numa relação base em caracterizada, mas com origem igual genérica ou conjuntural, compartilhados por pessoas possivelmente em número indeterminável, que se encontram numa mesma situação de fato, como ocorre com interesses ambientais ou publicidade enganosas) ou coletivos (interesses pertencentes indivisivelmente a um grupo determinável de pessoas ligadas por uma relação jurídica básica).

O direito do ambiente, pela sua natureza, implica além de atuações incentivadoras, muitas atuações circunscritivas de proteção de interesses públicos por parte dos poderes administrativos, objeto naturalmente de fiscalização e sancionamento quando não cumpridas (para restabelecer o interesse publico ou dissuadir repetições, punindo os infratores), que se desdobram por restrições, deveres e formas variadas de ordenação imperativa de ações dos particulares, de natureza privada, fruto da sua livre iniciativa, desde atividades de iniciativa à regulação económica às do seu desenvolvimento e exercício. Pondo em causa quer a sua liberdade genérica (fazer tudo o que a lei não proíbe) quer mesmo a que resulte de conteúdos de direitos que lhes assistem, designadamente direitos fundamentais (o que os cidadãos não podem fazer dentro daquilo que podem fazer, impondo ou omissões ou condutas).

Quais são em geral os princípios da atividade administrativa circunscritivos da ação dos cidadãos e implicados, portanto na medida em que restringem a sua liberdade ma criando uma especial vinculação positiva da AP à lei e não meramente negativa a todo o ordenamento jurídico?

O principio da legalidade, na sua máxima expressão e intensidade, revela-se aqui ultrapassando tudo o que o configura no âmbito da administração prestacional de serviços públicos e da incentivadora-fomentadora ou mesmo da limitadora relacionada com o exercício de relações de sujeição especial.

A Administração pública só tem poderes limitadores da liberdade dos particulares que lhe confere a lei e não goza de poder de autoatribuição de poderes através de regulamentos nem de dedução direta de princípios gerais de direito administrativo ou de princípios constitucionais que impliquem comandos gerais garantidores de certos interesses. Só na medida em que uma lei lho permita. Pois só a lei o pode fazer, em nome da garantia de interesses gerais, como o da preservação do ambiente, sem o que a Constituição, apesar de atribuir à Administração pública mandato para o defender, possa traduzir uma permissão, através de atos de fomento ou de serviço público, sem lei habilitante específica, para atos limitadores. Só o pode fazer com uma lei específica, embora esta não tenha que concretizar em pormenor nem os pressupostos de facto para o seu exercício nem a medida exata dele em cada caso, e podendo mesmo haver certa dose de discricionariedade. Quando a lei habilitante não desenvolva com precisão as medidas limitadoras, a Administração pública fica, na sua atuação, de qualquer modo, limitada pelos princípios gerais da atividade administrativa, especialmente os da igualdade, proporcionalidade e proporcionalidade-cautela (precaução na medida estrita e provisória).

As “situações de sujeição” são diferentes da sujeição a deveres, obrigações ou encargos. Com efeito, a posição de sujeição reporta-se a situações juridicamente abstratas de qualquer cidadão referentes a uma possibilidade de ter de suportar o exercício de poderes da Administração, desde o de inspeção ao de expropriação ou quaisquer outras intervenções que impliquem uma posição passiva de inércia face à eventualidade desse exercício público, sendo este a única situação em que se originam concretas situações jurídicas ativas e passivas relacionando os cidadãos com a Administração.

Os deveres em sentido amplo, ou seja, deveres propriamente ditos e as obrigações, nascidos diretamente do ordenamento jurídico ou de atos ou contratos implicam já de si a exigência de condutas concretas dos particulares, positivas ou negativas.

Se a Administração pública sacrifica direitos ou bens ou os expropria em nome da defesa de valores ambientais ou em geral ordenamentais territoriais, tem a obrigação de pagar o justo preço, a que corresponde um direito subjetivo por parte do proprietário. Se os cidadãos são compelidos legalmente a algo pela Administração pública têm um estrito dever de o cumprir, sendo ele estabelecido a favor da sociedade e não de sujeitos concretos. Embora a Administração pública, como organização instrumental ao serviço do interesse coletivo não tenha de iure um próprio direito subjetivo, dado que todas as posições jurídicas ativas dela (imposição de condutas, reação a incumprimentos, atuação de vigilância, etc.) traduzem poderes públicos ao serviço do princípio da legalidade e prossecução de um interesse heterónomo, o interesse público, e não um direito subjetivo que lhe caiba. Só detém poderes funcionais e não poderes de defesa de interesses próprios dela. Poderes instrumentais de uma organização por definição instrumental, e portanto instrumentos, meios, ao serviço da Comunidade dos cidadãos que justificam a sua existência.

Os incumprimentos dos deveres e obrigações podem implicar responsabilidade patrimonial, pessoal, penal, administrativa contraordenacional, autotutela executiva. Os deveres tanto resultam das leis como mesmo logo de normas das Constituições, depois reguladas pelas leis que podem acrescentar outros ou habilitar a Administração pública a fazê-lo. Mas esta, em princípio, necessita sempre de uma habilitação legal para intervir na liberdade genérica dos particulares, situação em que tanto pode agir com regulamentos como decisões concretas e individuais.

Os encargos (v.g., face à necessidade de obter licenças, autorizações, permissões, pagamento de taxas, etc.) são situações passivas a efetivar no interesse dos particulares, relativamente vinculadas ao exercício de direitos, como condições impostas pelo direito para que os cidadãos possam exercer esses direitos.

No âmbito do principio da tutela judicial efetiva de direitos subjetivos e interesses legítimos, importa referir que o direito público subjetivo, ligado ao conceito de Estado de Direito e seu princípio da legalidade administrativa, na linha da dogmática e estrutura teórica elaborada pelo direito privado, traduz-se na faculdade ou molho unitário de faculdades atribuídas a uma pessoa, física ou meramente jurídica, para a defesa dos seus interesses próprios, criando diretamente à Administração pública, quando vinculada juridicamente pelo ordenamento jurídico, por normas ou atos concebidos onticamente, não apenas para a proteção de interesses públicos, mas simultaneamente interesses de determinados sujeitos, numa linha fundamental de respeito pelo livre desenvolvimento d sua personalidade (Estado de Direito ao serviço da pessoa, da sua dignidade e desenvolvimento da sua personalidade), a obrigação de os respeitar ou satisfazer o seu conteúdo e ao seu titular a legitimação para poder exigir um comportamento administrativo, ou seja a possibilidade de os defender e impor, designadamente através dos tribunais, em ordem à restituição da “legalidade”.

O conceito de interesses legítimos, que de facto são direitos subjetivos atípicos, porque de natureza reacional, imperfeitos (mas com tratamento “semelhante”, quase idêntico ao do direito subjetivo, enquanto situação jurídica material protegendo o interesse do seu titular, desde logo legitimadores de reação de quem se sinta afetado) são uma construção teórico-funcional que visa não só garantir a possibilidade de repor a prossecução de interesses públicos e o bom funcionamento da administração, como reflexamente, face à analise casuística e individualizada, permitir que, apesar da inexistir a atribuição de um real direito subjetivo a um dado titular especifico, quem possa obter especial vantagem ou utilidade pessoal com a correta aplicação da lei, evitando um eventual prejuízo da atuação ilegal da Administração pública, possa atacar essa ilegalidade face à Administração pública e junto dos tribunais competentes (no procedimento administrativo e também em termos de direito processual). Porque, ao poder sofrer um prejuízo concreto e pessoal, espera poder obter da correção solicitada uma atuação pública posterior em proveito ou benefício especifico e individual, poder obter algum efeito positivo na sua esfera jurídica (evitar um prejuízo, benefício utilidade, vantagem: com conteúdo concreto, certo, efetivo, patrimonial, moral, profissional, concorrencial, etc.).

A titulo excecional também é atribuída tal legitimidade em situações de existência de interesses difusos (ação popular) ou em relação a qualquer ilegalidade (Ministério Público/Fiscal, por interesse funcional abstrato e genérico na legalidade).

Os interesses legítimos metaindividuais reconhecidos, para além dos difusos, integrando os interesses coletivos (organizações representativas de interesses sociais, designadamente económicos, instituições, associações v.g. de consumidores, sindicatos, em geral grupos afetados ou legalmente habilitados à sua defesa e promoção), também abarcam a legitimação procedimental e processual dos seus titulares, em que as consequências da ilegalidade são suportadas pelo conjunto, sem implicarem benefícios individuais diretos de qualquer vantagem própria do seu restabelecimento legal. Em causa, a legitimidade da representação com leis de defesa de interesses supraindividuais diferentes dos interesses públicos (Administração pública, Ministério Público) que são tidos como coletivos se se reportam a grupos de pessoas determinadas ou determináveis e como difusos se se referem a uma pluralidade de pessoas indeterminadas ou indetermináveis ou pelo menos de não fácil determinação (ação popular), que a lei atribui a certos setores (do ambiente, urbanismo, proteção de património cultural) assim como permitindo atuar a qualquer pessoa para defender a legalidade sem necessidade de comprovar qualquer género de interesse legítimo.

No que concerne ao panorama geral dos diferentes direitos subjetivos, eles tanto podem nascer de normas jurídicas, designadamente planos territoriais, como de decisões individuais e concretas (atos administrativos) ou serem bilateralmente concertados (contratos públicos ou privados), dependendo o seu regime jurídico da natureza do seu ato genético e dos conteúdos, forma, tipologia, estrutura e enquadramento impugnatório administrativo e jurisdicional.

Os direitos fundamentais proclamados na Constituição são tecnicamente direitos subjetivos públicos de génese supralegal ou legal (direito internacional público cogente, direito da união europeia e direito constitucional e mesmo outro tipo de normas, face a cláusulas insertas no texto constitucional de abertura a uma integração constitucionalizadora do seu regime especial) a ter como elemento central do ordenamento jurídico e do direito constitucional, fundamento de ordem política, consensualmente aceite e garante da paz social.

Em termos tipológicos, uns implicam a não intervenção da AP (v.g., liberdades de circulação e residência, etc.), outros exigem serviços públicos administrativos designadamente prestacionais (v.g., direito a um ambiente saudável, saúde, cultura, educação, segurança social, direito de segurança pública, direito à vida e integridade física, interdição de tortura e maus tratos desumanos ou degradantes atentatórios da dignidade das pessoas, liberdade religiosa, etc.) e ainda outros referem-se a princípios básicos reitores de toda a atividade pública relacionados com a  proteção jurisdicional ou normativa (justiça e tutela judicial efetiva, igualdade de tratamento, etc.).

Quanto ao seu regime jurídico protetivo, eles vinculam diretamente todos os poderes públicos, sujeitos a enquadramento por reserva de lei respeitadora do seu conteúdo essencial, algumas têm valor reforçado sob pena de inconstitucionalidade indireta (legalidade sujeita a controlo do Tribunal Constitucional), exigindo aprovação por dois terços e designadamente algumas com designação de lei orgânica, u as que são o pressuposto constitucional necessário de outras leis ou respeitadas por elas (v.g., Leis de Orçamento do Estado e de regulação em geral de valores constitucionais superiores, como o valor transparência da Administração, com leis de acesso à documentação detida pelos serviços públicos administrativos, que é um  direito fundamental de acesso à informação administrativa ambiental e mesmo em geral, convenção de Aärhus, regulamento da UE), se regulam mediante processos especiais ou mesmo tribunais ordinários (direito de propriedade e direito de circulação na via pública) e sendo nulos os atos da AP que os ofendam ou caiam em vícios de usurpação jurisdicional ou legislativa de poder ao desrespeitar o principio da separação de poderes tal como normativamente estabelecido em cada país.

Quanto aos direitos de conteúdo patrimonial, integrando quer direitos de natureza obrigacional de conteúdo patrimonial com origem em normas jurídicas, atos administrativos ou contratos ou mesmo factos (ilícitos, danos, quase-contratos[1], com responsabilidade civil extracontratual) ou lícitos (sujeitos a responsabilidade; ou usucapião), podendo implicar uma conduta ativa da AP (pagamento, restituição, etc., em termos semelhantes ao regulado no direito privado), quer diferentes formas e conteúdos de direitos reais administrativos (aproveitamento ou uso de bens de uso público, sejam bens dominiais, como estradas, águas, praias e outras zonas marítimas, portos e aeroportos, minas, etc. , ou apenas bens comunais de aproveitamento mais restrito; bens patrimoniais da AP em regime privado) ou parcialmente administrativos (tesouros enterrados ou submergidos), direitos de reversão de bens expropriados e não transformados para o fim em causa em certos período de tempo ou, sem novo procedimento e ato reabilitador, usados para fins distintos mesmo que de interesse público ablativo) e limitações administrativas (normas ambientais, urbanísticas, de defesa de património cultural, face à função social da propriedade).

No caso de direitos públicos administrativos de prestação, estamos face ao acesso a serviços ou ajudas públicas, constituindo direitos de particulares a exigir uma conduta material em seu benefício, quer tenham origem em atos administrativos ou em normas, em geral justificados em princípios orientadores da atividade administrativa em termos de DESC, princípios de politica económica e social e protegidos pelo principio da tutela judicial efetiva. Em causa, quer o direito a criação e manutenção desses serviços públicos quer ao concomitante uso e aproveitamento dos serviços existentes.

Há ainda direitos instrumentais, que devem considerar-se englobados num direito unitário administrativo (direito à boa administração, hoje em geral consagrado não só na União Europeia como no direito administrativo de vários países, de acordo com as disposições legais em vigor) ou direitos de natureza formal (no direito da união europeia, tidos como direitos fundamentais na respetiva Carta, e que são direitos fundamentais face às Administrações dos Estado Membros pelo menos enquanto atuem em aplicação do direito europeu) dos particulares nas suas relações com os poderes públicos, funcionando precisamente a favor destes particulares para garantir formalmente a possibilidade de defesa de outros direitos substantivos, pelo seu conteúdo material (de comunicação e de assistência, acesso à informação; tratamento dos assuntos imparcial, objetiva e “equitativamente”, dentro de prazo razoável; a exigir, v.g., cópia de entrega de requerimentos, a aceitar segundo regras procedimentais definidas documentos em local diferente do destinatário público competente para decidir, a exigir, reparação de danos (responsabilidade patrimonial extracontratual), a obter e usar meios de identificação e de assinatura eletrónica, à proteção de dados pessoais; acesso ao próprio processo procedimental administrativo e a conhecer o estado das suas solicitações, a conhecer a identidade do responsável pela instrução do procedimento, a ser ouvido e formular alegações, juntar documentos e apresentar ou requerer meios de prova, especialmente em audiência pré-decisional e face a projetos de decisão desfavorável; fundamentação adequada e compreensível das decisões; direito a obter resposta face a quaisquer questões colocadas à AP de modo identificado e fundamentadamente; atuação sempre idónea, necessária e equilibradamente proporcional à finalidade a prosseguir; a ser assistidos por assessores especializados, etc..

E direito a uma informação verdadeira (especialmente exigente no domínio ambiental). Em causa, designadamente o importante direito fundamental de acesso a documentos e informações detidas por quaisquer entidades publicas ou privadas que desempenhem qualquer atividade da Função Administrativa do Estado-Comunidade e quaisquer que seja o seu suporte físico. Um direito geral, livre e com resposta em curto prazo (neste caso sobretudo em situações de matéria ambiental, pois o ambiente mais do se punições necessita de prevenções atempadas contra desmandos previsíveis) e controlável por processos jurisdicionais de resolução intimatória para facultação de natureza muito urgente. Um direito fundamental que, sendo ut cives e não ut singuli e por isso podendo não ser exercido por escassez de meios financeiros, exige o seu cumprimento sem quaisquer encargos financeiros no acesso a exame direto ou a cópias eletrónicas de documentação automatizada ou mesmo que não seja gratuito em todas s outras modalidades de acesso, o seja sem qualquer margem de lucratividade ou sobrecarga financeira com invocação (real ou em subterfugio) de tempos e atividades de procura dos arquivos (cuja correção é responsabilidade da própria AP e não dos cidadãos) e portanto apenas passível, quando muito, de sujeição ao pagamento dos custos dos materiais (papel e tinta) e da amortização dos aparelhos de reprodução no caso de fotocópias; regime apenas contrariável face a estritas cláusulas protetivas de relevantes interesses públicos e privados, ou seja, no âmbito do segredo de estado de documentos superior e previamente classificados, seja de defesa nacional seja de justiça (se tal resultar de decisão jurisdicional e nunca de meras presunções ou participações administrativas), e segredos da vida íntima das pessoas (que não meramente da vida privada, conceito muito amplo e que frequentemente pode ser usado para opacitar a vida administrativa, em termos de proteção de inércias, ilegalidades e crimes designadamente de corrupção).

Quanto ao direito de participação dos cidadãos na vida da AP, a sua atuação revela o caracter de uma democracia socialmente mais ou menos avançada. Em causa, desde logo a participação nos assuntos que o afetem, mas também nos que afetam em geral a Comunidade e interesses difusos das populações, com referendum, consultas populares livres, iniciativas populares normativas, governos locais abertos em pequenas localidades, direito constitucional de petição. Ele é característica, pelo menos afirmada, dos atuais regimes democráticos, ultrapassando as tradicionais conceções liberal-weberiana-marxista de separação entre natural entre a AP e a sociedade, tidas como único meio de preservar o respeito pelo principio da legalidade imposto para garantir a soberania parlamentar-povo, exigindo uma AP burocrática profissional-técnica, opaca e distantes dos interesses particulares como condição da mais estrita imparcialidade e completa eficácia na aplicação da lei. De facto, hoje e diferentemente, entende-se que a execução das leis, que cabe ao poder executivo-administrativo, só ganha se tiver presente quer as aspirações reais da sociedade sobretudo quando possa afetar diretamente o ambiente, a qualidade de vida das pessoas e o bem-estar, quer a libertação da burocracia de interesses desligados da função instrumental de serviço público conatural à sua existência e que podem corromper a sua adequada aplicação que o poder isolado e opaco propicia. Importa abrir à participação dos cidadãos a eleboração, prestação e avaliação ds politicas públicas e em geral atuações ligadas a âmbitos cívicos, políticos, sociais, culturais e económicos, o que exige mesmo a criação de leis de assistência pública e de participação em reuniões decisórias de todos os órgãos colegiais da AP seja territorial, institucional, fundacional, associativa, e mesmo entidades privadas concessionarias de obras, serviços e bens públicos e outras em geral reconhecidas e recebedoras de apoios públicos, ditas de utilidade publica (sunshine laws, como ocorre há décadas nos EUA), o que, de qualquer modo, não pode interferir com os poderes unilaterais de decidir que cabem aos órgãos representativos e competentes nas diferentes matérias.

A Administração, sujeita embora como pilar básico, ao modelo de democracia representativa e funcionando em modelo funcionarial ou mesmo de regime privado administrativizado (com trabalhadores de estatuto especialmente adaptado ao espírito instrumental de missão-tarefa selecionado pelo mérito e portanto de trabalho “em funções públicas”, com específicos deveres, dada a sua natureza heterofuncional), legitima-se complementarmente com o exercício dos princípios da transparência, sobretudo no exercício de poderes discricionários em termos que, não a desresponsabilizando nem aos governos que a dirigem, permitam valorizar previamente `as suas decisoes concretas e normativas, o real conhecimento e opinião doas cidadãos em geral (e não apenas de lobbies e associações de interesses egoisticamente organizados, pese também a sua relevância no sistema global ponderativo de procura das mais adequadas possíveis soluções para os problemas em apreço), através de modelos adequados, seja a participação funcional, a orgânica ou mesmo formulas de democracia direta (órgãos abertos), semidireta (de grande importância em matérias ambientais, tais como participação dos cidadãos em órgãos deliberativos ou consultivos, consultas publicas, direito de livre iniciativa normativa em qualquer matéria e de apreciação obrigatória sempre que ocorra um mínimo razoável de peticionários em função da dimensão populacional em causa, aceitação e ponderação de pareceres, regimes especiais de alegações ut cives, queixas  de apreciação obrigatória em tempos curtos, receção e resposta a sugestões em matérias relevantes).

Quanto ao direito de petição individual ou coletiva, sobre questões de interesse geral[2] desde logo designadamente estabelecido com relação a efetivação de princípios do bom funcionamento da AP, como meio para a mera participação direta dos cidadãos em assuntos públicos, o órgão recetor deve ficar obrigado a acusar a receção e a responder fundamentadamente num certo prazo razoável, sem o que e findo este tal petição deve passar a ser considerada uma iniciativa procedimentalizada e portanto sujeita a controlo, desde o exercício de tutela judicial, a obrigação de declaração de inadmissão, tal como no omissão de contestar ou contestação sem fundamento ou sem resposta ou sem respeitar exigências desta.

A atividade de polícia é a parte da atividade circunscritiva que visa combater os riscos para a ordem pública e suas alterações, ou, se já produzidas, evitar a continuação delas, mantendo-a ou restaurando-a, embora ela não possa ser garantida apenas pela atividade de policia, por a defesa da ordem pública não depender apenas das atividades limitadoras da AP (v.g., todas as atividades que visem garantir a segurança, aumentar ou defender a saúde, o ambiente, a qualidade de vida são de ordem pública. Ora nem todas são limitadoras de liberdades dos cidadãos e sacrificadoras de direitos de propriedade, até porque de facto nem todas as possíveis perturbações têm origem na atividade humana (catástrofes, inundações em si mesmas, chuvas torrenciais, ciclones, terramotos, maremotos, tufões, erupções vulcânicas, epidemias nas pessoas fauna e flora, etc.) aqui funcionando em geral a proteção civil, cuja atuação preventiva dos perigos da natureza, amplificáveis por esta ou salvíficos nas diferentes situações de risco ultrapassam em muito o âmbito formalmente limitativo da liberdade.

De qualquer modo, o conceito de ordem pública, conceito base em que assenta a teoria do enquadramento da atividade circunscritiva mais intensa, pode traduzir-se como a ordem material exterior e coexistente com condições mínimas indispensáveis à convivência humana em que  todo o cidadão consiga viver normalmente, sem medo de perigos e sem sofrer intranquilidade e incómodos imprevisíveis (que ultrapassem os inconvenientes expetáveis de uma sociabilidade historicamente situada, provocados por outros indivíduos ou circunstancias anormais da vida social (designadamente atentatórias da moralidade pública em sentido amplo dado pelo direito da União Europeia ou consequentes a factos da natureza.

Quanto a este conceito amplo de moralidade pública integrante da ordem pública, segundo o direito europeu, temos a “ameaça autêntica ou em termos suficientemente significativos”, integrando como elementos constitutivos da ordem pública a dignidade humana, proteção de menores e idosos e mesmo o bem-estar animal. O considerando 41 da Diretiva Serviços da UE afirma que "O conceito de «ordem pública», tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, abrange a proteção contra uma ameaça genuína e suficientemente grave que afete um dos interesses fundamentais da sociedade e pode incluir, nomeadamente, questões relacionadas com a dignidade humana, a proteção dos menores e dos adultos vulneráveis e o bem-estar dos animais. Do mesmo modo, a noção de segurança pública inclui questões relacionadas com a segurança das pessoas"[3]. No entanto, confrontados com esta amplitude do direito europeu, importa clarificar que a densificação dos conceitos instrumentais de tranquilidade dos cidadãos e moralidade e ainda outros conceitos que, para além dos anteriormente referidos, sejam úteis ao tema (tais como a imposição do respeito por condições estéticas de espaços públicos, condutas que podem colocar em causa o uso ou o gozo geral de bens de domínio publico, como jardins, arvores obras de arte, ou mesmo espaços privados de visibilidade geral -grafites em paredes à revelia dos proprietários ou entidades públicas-, impedir o normal funcionamento dos serviços públicos, não respeitar serviços mínimos essenciais declarados em caso e greve, etc.), não podem, no entanto e de qualquer modo, servir para impor ideias conservadoras que traduzam a exclusão vivencial de franjas da sociedade face à evolução cultural natural de costumes e culturas designadamente de minorias.

Com efeito, se as perturbações da ordem pública não derivam só de comportamentos humanos e a atividade circunscritiva da AP se relaciona com eles, de facto não pode deixar de ter em conta os fatores perigosos derivados da natureza, especialmente quando impliquem atuações preventivas que possam evitar ou minimizar os seus efeitos lesivos (através de regras e atos policiais, ambientais, urbanísticos, que não deixem agravá-los ou permitam restabelecer a normalidade com os menores incómodos e danos possíveis.

A segurança dos cidadãos e em geral a segurança pública não admite, senão em termos muito limitados, perigos devidos a atos de violência, negligencia-dolo ou acidentes, exigindo a manutenção de ambientes sãos e salubres para não contrair doenças, propiciar epidemias, intoxicações, ruídos excessivos, incomodidades com sujidades e maus cheiros, impedimento à deslocação das pessoas, etc.

No entanto, a atividade de polícia deve ser considerada no essencial como uma parte da atividade circunscritiva da AP, ligada à exigência em geral do principio da legalidade e outras exigências constitucionais. Não um domínio sem lei ou de mero principio de legalidade negativa da AP. Se as atividades preventivas de policia comportam uma especial singularidade em termos de interesse público pela sua relevância social, pois a sua existência é uma condição de exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos em geral, enquanto condição sin qua non da própria vida em sociedade, admitindo poderes circunscritivos severos, especialmente intensos e extensos que afetam direitos fundamentais e mesmo a única justificação constitucional em situações extremas, para fundar a declaração pelas autoridades estatais de estados de emergência e de necessidade com suspensão de certos direitos fundamentais (estado de sitio, de exceção, de alarme, etc.), de facto estamos num âmbito em que as leis atribuem com recurso a conceitos imprecisos, quanto a factualidades e tipos de intervenção, poderes anormais à Administração (cláusulas exorbitantes de ordem pública), e aceita o exercício poderes implícitos e “inerentes”, isto é, sem habilitação legal expressa, em situações em si impostas legalmente na medida em que  sejam contrárias à ordem pública (reduto impossível de eliminar a “inaceitável” em geral tese de Otto Mayer, de qualquer modo, tudo sem prejuízo da intervenção direta sobre coisas e pessoas). Em geral, aqui o princípio de proporcionalidade, medindo a razoabilidade entre o fim a atingir e o meio a usar, é chamado à colação.

Os incumprimentos destes deveres implicam poderes reativos da Administração para restabelecer a normalidade, desde ordens expressas possíveis de execução coativa a intimações, coação direta, intervenções em empresas e eliminação de poderes de gestão privada, sanções contraordenacionais e penais, revogação de licenciamentos e autorizações, obrigações de informação aos cidadãos (mesmo que danosas para os informante) e em geral, mesmo que não haja completa certeza dos perigos (principio da prevenção e da precaução), extremamente importantes no domínio do direito do ambiente e em certos aspetos do direito do urbanismo (autorizações para antes eletromagnéticas, limites na localização de construções de centrais de transformação elétrica libertadoras de gás iónico ou de combustíveis, etc.).

Diria, para finalizar, que importa configurar a atuação da Administração com uma abordagem múltipla no modo de encarar a devida aplicação dos princípios da legalidade negativa e positiva, que lhes são simultaneamente aplicáveis: a)- princípio da legalidade negativa, a que está obrigada como qualquer cidadão ou entidade particular; b)- princípio da legalidade positiva, dado em geral o caráter instrumental da sua existência ao serviço da sociedade; c)- princípio de legalidade excecional, em situações em que seja invocável uma cláusula vital implícita ou explicitamente: situações de calamidade ou catástrofe, em que se admite o desrespeito do ordenamento jurídico em termos substantivos e de intervenção competencial, ou seja sobre o comportamento e poderes decisórios normais, ficando tal atuação-imaginação adequada a cargo dos poderes mais próximos, os locais, chamados a substituir-se a todos com atos salvíficos e mesmo que danosos para alguns, e neste plano indemnizáveis, com a tomada de decisões que melhor caibam à defesa de vidas e bens; exemplo: requisições de médicos, enfermeiros, barcos, meios de transporte, ocupação e passagem em propriedades privadas adequadas ao trânsito de pessoas, ambulâncias e tratamento in loco); d)- princípio de legalidade especial, em situações de declaração de estados de necessidade casuisticamente ponderadas e decididas pelas devidas entidades estatais, admitindo exceções ao exercício de direitos fundamentais nos termos constitucionalmente previstos; e)- princípio da legalidade adaptada (adaptação e suprimento minimamente enquadrado da legalidade), em caso de atividades circunscritivas especialmente intensas e extensas de polícia, sejam expressamente previstas, sejam meramente implícitas ou inerentes às necessidades concretas para repor a ordem em cada caso, que lhe cabe proteger.

Estes últimos poderes administrativos, implícitos ou funcionalmente inerentes, de natureza circunscritivos, atiram-nos para a existência de  um princípio geral de direito de interdição de perturbação da ordem pública conatural à vida em social (do homem em sociedade), como limite genérico a certos direitos fundamentais na generalidade, segundo o qual à Administração cabe atuar face a qualquer conduta que ponha diretamente em risco a ordem pública, mesmo que não exista norma expressa que a proíba ou que imponha o poder de a contrariar e isto até mesmo que normalmente  seja permitido ou mais do que isso se trate do exercício de um direito fundamental (“societas non perturbare”, ser deixado em paz, não colocar em perigo a ordem pública). O que implica  a obrigação de não atuar contra o direito, mesmo que nenhuma norma específica proíba uma dada conduta concreta ou face a perigo imediato que se apresente e mesmo que ninguém possa ser tido como culpado ou ninguém se apresente como titular de uma vontade nesse sentido ou, mais do quer isso, até estivesse autorizado a certa atuação, que depois venha a ser tida como contraproducente ou pelo menos insegura. Ou seja, mesmo que aparentemente se cumpram requisitos legais, se apesar disso tal for imprescindível para evitar perturbações, males maiores, inclusive desde logo no âmbito da proteção do ambiente. E podendo exigir mesmo deveres positivos de colaboração aos próprios cidadãos. Neste campo, impondo também deveres de diligência normais relacionados com atividades perigosas, para eliminar riscos (autocontrolo e autoavaliaçãoe, em certas situações, a obrigatoriedade de seguros garantindo indemnizações em caso de acidentes).

 

 

Notas

[1] Factos lícitos e voluntários implicando uma obrigação para com terceiros, que pode ficar também obrigado ou não, v.g., gestão de negócios alheios sem mandato.
[2] Ou seja, casos sem ligação aso seus direitos subjetivos ou interesses individuais legítimos com petições dirigidas a um órgão da AP competente na matéria, com sujeição a procedimentos administrativos específicos, e também sem conexão com atos administrativos firmes.
[3] Acórdão do STJ português (proc.1939/11.3T2AVR.C1.S1) de 20.6.2013: “A contrariedade à ordem pública é manifesta quando a decisão implicar, sem necessidade de grandes indagações, uma ofensa intolerável e intolerada no sentimento jurídico subjacente à ordem jurídica, sem atender à respetiva fundamentação de facto e de direito e aos eventuais vícios de que esta enferme. Vide “A complexidade da Ordem Pública entre outras culturas” , in https://pt.m.wik ipedia .org/wiki/ Ordem_p%C3 %BAbl ica#cite_ref-9